quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Crónica Rosário Breve - Dica da semana por Daniel Abrunheiro

Todos os dias os vejo: aos homens de já descriada idade atulhando de publicidade não endereçada as bocas de correio dos prédios. Não puderam e/ou não quiseram salvaguardar-se da penúria. No outono da idade, dão de si & por si propagando prospectos de “mestres” africanos, de “massagistas” brasileiras e de afins subprodutos, ou escombros, ou despojos, ou escórias, do alegado “Império Português”. Os ociosos de esplanada como eu são por eles mirados à sorrelfa, ciosos dos cigarros fáceis que fumamos e dos cafés perfumados de aguardente com que ilusoriamente adoçamos o desbaratar da (nossa, do lado de cá) vida.
Aos domingos, no entanto, em vez de a eles, assisto às parelhas de mulheres de já descriada idade que, munidas elas também de prospecta literatura que ninguém pediu nem quer, teimam em jeovandar caducos evangelismos sem ortografia nem esperança por essas campainhas insones.
Os prédios são os mesmos. O resultado, também.
Em verdade V. digo que me sinto companheiro, tão destas como daqueles, em má fortuna & pior ventura. Há anos que também eu ando neste negócio (aliás crónico) das mèzinhas contra o particular mau-olhado, o pé-chato da inveja, a psoríase da alma, a amarração infiel & a despolítica geral. Sim, também eu violo, no caso dos assinantes do Jornal, as frinchas virginais das caixas postais.
No gasto da tinta, esvai-se-me a mocidade física, que revérbero foi já noutros lustros e em lustres outros. Na usura do papel, descriou-se-me, a mim também, a sacanita da idade, sedimentando-se-me no palato o salitre equívoco de tanta oportunidade perdida.
Ao espelho, todavia, isso Vo-lo garanto também e com alguma soberba até, ainda faço, de quando em vez, as pazes mansas comigo, mercê da seguinte síntese zoológico-geométrica: besta-quadrada que ao menos de si mesma ri, com gosto quase até. E só não me dou de fuças como pedaço-de-asno por deveras ser o asno completo.
Não me inscrevi – prescrevi.
Não tirei cartão – nem o passei a ninguém.
Não creio em Deus – nem Ele em mim,
Não fui a tempo – mas o Tempo veio-me.
Está certo assim. A pessoa é, de si, o preço que por si mesma paga, ainda que o não valha.
A sequência é a consequência.
O remédio, porventura, estaria em nascermos todos com a idade daqueles homens e daquelas mulheres que, uns, nos dias úteis entopem as caixas de correio, e que, outras, ensurdecem as campainhas doménico-matinais. Nascermos já madurotes e, desse ponto aí então, rejuvenescermos à força toda de cada dia anversamente revertido, decrescendo em altura atlética e em sombra cismática.

Até que mais nos não pudessem pedir do que fôssemos, apenas, brincar – coisa que, aliás, não parecemos ter senão feito a vida toda, a julgar pela caixa do correio. 

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