domingo, 28 de dezembro de 2014

Crónica Rosário Breve Stock por Daniel Abrunheiro

Não digo que seja total a ruptura de stock. Tanto, não digo – mas que seja indesmentível a vigente escassez de anjos, lá isso é e digo.
Há meses-anos na minha vida que não topo um. Perambulo muito à cata deles. Por vãos & por reentrâncias de prédios devolutos & de teatros sem actores, toco com a ponta da bota os hirtos corpos encartonados: volumes pessoais reduzidos a uma marca de frigorífico japonês. Gente, enfim: hirtos seres autodeserdados, tropa a que a vida, assobiando para o lado, estropiou sem solfejo nem grande remorso.
Antigamente, eu sitiava-os, aos meus anjos, sem acuidade nem esforço. Eles aconteciam-me. Talvez fosse da idade. Da idade deles, digo. Ou, digo, da minha, que nem idade quase tinha. Recordo aqui, e aqui o assento, aquele anjo do Novembro de 1981. Foi à saída do Teatro do Príncipe Real. Era um espécimen apardalado de figura. Magro, quase alto – e  entre o cinza e o castanho: assimétrica envergadura – e molhado de pés como um veneziano sem barca. Cumprimentei-o sem recorrer a sílabas. Paguei-lhe um ponche quente no bufete do Teatro frio. Separámo-nos, depois, no vão das escadas da Previdência, ali-onde-ainda-agora aquele homem registava sociedades de totobola manuscritas a bic-cristal-cor-de-pombo e aquecia a frio o café-com-leite da solidão vitalícia em púcaro de folha sobre língua azul de gás-estearina. Esse anjo ainda me deu para alguns meses de consumo sem remédio: como o tudo o que se consome sem poder remediar-se.
Tive outros anjos entretanto-tão-pouco, valha a verdade. Por exemplo, aquele de coisa alguns anos depois de coisa afinal nenhuma, esse de um ano algures & alhures entre os nascimentos da minha Primeira e da minha Segunda filhas. Esse, sim: foi por um Outubro.
Apareceu-me ele no espelho do barbeiro – e era do meu mesmo cabelo que ele se perdia à lancetada bífida. Trazia ele consigo meio papo-seco de mortadela quase transparente, dessa que dão aos pobres às portas de Santa Apolónia, a Ferroviária, em desobrigas de catolicismo esmoler por calendário à hora-TV. E sim, o olhar dele tinia. Tinia coruscâncias à maneira das tesouradas recebidas em espelho: olhos que davam para escutar.
Eu cá por mim, ter tempo – tenho. Espaço para V. contar de muito(s) mais anjos é que não. Leitor meu: isto é só, e tão-só, uma página de jornal: só não é a minha vida. (A páginas tantas, é melhor do que a minha vida. Seja. Não discuto isso. Estou aqui mais por causa dos anjos que já não há. Ou que não hei. Ele há-de haver ainda alguns, que não sei eu?)
Alguma coisa sei. Vi a cabeleireira sair foríssima de horas sem ser por véspera de casamento. Ainda agora foi: uma reles terça-feira, reles antevéspera do Nascimento do Deus-Menino-da-Coca-Cola-Paz-na-Terra-Prometida-aos-Judeus-de-Boa-Vontade. Nove da noite. Dez euros por umas madeixas que até ficam mal à freguesa. Dizem até que o gajo dela (da freguesa) lhe bate. Mas o anjo de hoje: esse?
Parece-me tê-lo vislumbrado na fila do desemprego. Não o confundi. Os outros todos eram só gente. Desandei. Ele há menos gente do que anjos, se calhar.

Isto não anda fácil entre Novembro e Outubro.

Pavel Matuska Art

Pavel Matuska

Willem Rasing - Artoons

Willem Rasing - Artoons

Workshop Diários Gráficos "Um museu a céu aberto" (Museu Arqueológico do Carmo)

Bom dia,

​CONTINUAM A DECORRER AS INSCRIÇÕES PARA o primeiro WORKSHOP DE DIÁRIOS GRÁFICOS de 2015 previsto para o Sábado 10 de Janeiro, das 10h às 18h , no MUSEU ARQUEOLÓGICO DO CARMO (em Lisboa).

Este workshop é uma formação de desenho que tem como objectivo estimular e criar o hábito para uma prática de desenho sistemático em diário gráfico e INCLUI UMA VISITA GUIADA AO MUSEU E À SUA COLECÇÃO. As inscrições estão abertas a participantes com ou sem formação na área do desenho. Neste workshop iremos abordar várias técnicas de registo visual a partir de uma série de curtos e simples exercícios que fomentam a observação e representação pelo desenho. Exploraremos o desenho à vista com a conjugação de aguarelas e lápis de cera (não aguareláveis). E é através da escolha das diferentes combinações entre estes materiais, que iremos aprender a obter a maior expressão gráfica no desenho de cada uma das peças expostas.

Toda a informação consta do respectivo programa em pdf (ver anexo). Mas se tiverem quaisquer dúvidas, basta perguntar.

Atenção:  As vagas são limitadas e o prazo de inscrição termina na primeira semana de Janeiro!

Cmps


Richard Câmara
www.richardcamara.blogspot.com
(+34) 639 247 763 / (+351) 964 756 353
Skype: camara.richard
Also at: WhatsApp, Facetime and Viber

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

~Votos de Feliz Natal de Miguel Ferreira

Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cio

nasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardos

por dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,

 e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.


Pedro Támen

em Natal…Natais, Oito séculos de Poesia sobre o Natal, Antologia de Vasco Graça Moura

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Crónica Rosário Breve - Sou a favor de o Natal ser de graça por Daniel Abrunheiro

O Natal, dizes tu?
Entre os meus 18 anos e anteontem, sempre foi uma quadra porreira para borracheiras de porto em manhãs que acabam tarde às portas da noite, entre rapazes a quem também já morreu alguém e a balcões que ao contrário da nossa vida eram & são inoxidáveis.
Eu faço que gosto muito do Natal por ser a época em que ser bonzinho não parece mal. E por ser quando, à entrada do hipermercado, nos dão de borla um saco vazio da (ou como a) Jonet para à saída enchermos com ele os bolsos ao Belmiro.
Também faço que gosto muito dos peditórios ubíquos como a má-sorte & do chinfrim electr’altifalante por todas as ruas e por todas as praças sem excepção & das velhas evangelizadoras que manquejam os joanetes à caça do dízimo em nome do jeová brasileiro alternativo.
O Natal é perfeito para encontrarmos finalmente o sem-abrigo à justa medida do casaco de malha que a nossa ex-sogra nos deu há trinta anos ao mesmo tempo que dava um de camurça ao nosso ex-cunhado, soslai’olhando-nos trocista e sibilina como ridente víbora, a megera. (Também agora fica lá com a filha por remendar, anda.)
Ai o Natal, o Natal! É quando mais neozelandês me sinto, isto para V. ser o mais franco – rodeado de carneiros que votam como ovelhas e cheirando a lã cagada como eles & elas.
Tenho fingimento de pena, claro que sim que finjo que tenho, das divorciadas de perl’ágrimas marejadas por este ser o ano de o menino ir com o pai, maldita a hora em que me deitei debaixo dele, por sinal foi noutro natal, como passa o tempo, isto é ela a rosnar.
A quadra entristece-me um bocadito, confesso, porque o Governo nunca tem dinheiro que chegue para comprar neve suficiente a todo o País tal que todo o País se sentisse tipo postal lapão do Minho a Timor, digo: a Silves, gastam tudo sempre e só na Serra da Estrela, ao menos poderiam variar de níveo sítio cada ano, este ano por exemplo em Portalegre, para o ano em Abrantes para o doutor Consciência não se sentir tão só no solitário alpinismo que a assertiva lucidez crítica afinal é, no Funchal é que não porque eles estoiram tudo nos foguetes do fim-d’ano e em marinas de que o mar dá cabo há uma data de milhões de euros nossos. Isso e o ringue de patinagem do Terreiro do Paço ser de plástico como este ano se lembraram de fazer, deve ter cá uma piada tipo Malucos do Riso filmados na Síria à hora-de-ponta.
Confesso ainda: cada Natal, performo a minha imitação preferida. A minha imitação preferida tem imensa graça (não tem, Graça?) e é a Imitação do Meio-Peru. Resulta sempre, faz sempre rir muito, é muito barata e é a coisa mais simples de se fazer. Consiste nisto: não deixo que me matem mas deixo que me encham de aguardente na mesma. O dano colateral é começar logo, por causa de tanto porto prévio, a ver o tremeluzir das luzinhas antes de acenderem a gambiarra ao pinheiro.
O Natal, dizias. É aquilo dos jantares contrariados com a besta do chefe da repartição, com o imbecil do autarca amigado com a educadora, com o revulsivo sinapismo do actual companheiro da cataplasma de mostarda que a nossa ex-mulher é e sempre foi e sempre há-de ser, bem te lixas que este ano o Menino (percebeste a maiúscula?) é comigo.
Ou então, não.
Ou então, nada disto.
Digo: tudo isto na mesma, mas outra coisa ainda – remanescente, vera e de vidro daquele que não corta. Esta coisa assim:
Eu ter dezoito anos sem anteontens, ninguém me/nos ter morrido e não ser preciso nem porto nenhum nem aguardente alguma. Aí sim, o Natal seria e teria, Maria, outra coisa. Outra graça.

Não teria, Graça Maria?

Voeux papal 2014... pour René Bouschet


segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O Natal humorístico de René Bouschet





A Exposição"Menezes Ferreira Capitão de Artes" no Museu Bordalo Pinheiro de Lisboa (Comissariada por Osvaldo Macedo de Sousa) prolonga-se até ao dia 4 de Janeiro

Quem visitou a exposição e não encontrou o álbum editado, pode ir lá agora já que já saiu do prelo e está à venda por 15€ (304 página encartonado)

Livros sobre Humor e caricatura com textos de Osvaldo Macedo de Sousa - CCVII - Correia Dias Um Pioneiro do Modernismo

(2012)

Estórias Nazarenas - pela temível dupla talibã Júlio Murraças /Zé Oliveira

Recomenda-se vivamente este livro do Julio Murraças (com 'lápis' do Zé Oliveira).
Sorrir é cada vez mais preciso - e este livro é receita infalível para a moléstia da sisudez. 

O livro está à venda (7€):
- Na Nazaré: Baptista - Agência de Revistas, Casa Hipólito e Papelaria Susy de Abílio Figueira;
- Em Lisboa: Livraria Ler devagar, na LXFactory;
- Em Óbidos: nas livrarias da Ler Devagar.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Feliz Natal, Feliz Ano Novo; Buon Natale, Buon Anno Nuovo; Joyeux Noël, Bonne Année...

“Paz na terra aos Homens de Boa Vontade”
em que o sorriso desmascare as intolerâncias e corrupções neste novo ano de esperanças de 2015.
Com amizade, saúde e bom humor são os votos da família Macedo de Sousa
"Peace on earth to men of good will"
in the smile unmask intolerance and corruption in this new year of 2015.
With hopes of friendship, health and good humor are the votes of Macedo de Sousa family
(Osvaldo, Margarida, Renata e Clara)

Feliz Natal, Feliz Ano Novo; Buon Natale, Buon Anno Nuovo; Joyeux Noël, Bonne Année; Ծնունդ, Շնորհավոր Նոր Տարի, 新年快; Merry Christmas, Happy New Year; Frohe Weihnachten; Καλά Χριστούγεννα, Ευτυχισμένο το Νέο Έτος; החג שמח, שנה טובה; سنة جديدة سعيدة; سال نو مبارک; Wesołych Świąt, Szczęśliwego Nowego Roku; Craciun Fericit, un An Nou Fericit; С Рождеством, с Новым Годом; Feliz Navidad, Feliz Año Nuevo; Mutlu Yeni Yıl; З Різдвом, з Новим Роком
"Peace on earth to men of good will"
in the smile unmask intolerance and corruption in this new year of 2015.
With hopes of friendship, health and good humor are the votes of Macedo de Sousa family
(Osvaldo, Margarida, Renata e Clara) 

O Cante socratico por Henrique


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Crónica Rosário Breve – Aviso por Daniel Abrunheiro


Para epígrafe de um caderno que há-de ser livro e que ando compondo desde o dia 13 do mês passado, elegi este trecho de Georges Duby (in As Damas do Século XII – 1, Editorial Teorema, Lx., 1996):
“Aviso desde já: o que pretendo mostrar não é o vivido real. Inacessível. São reflexos, o que os testemunhos escritos reflectem. Confio no que dizem.”
Mais a esta liça ajunto que: toda a vida fiz da atenção uma espécie de estúdio de fotógrafo verbal, desses de boneco-cavalinho pelas pagãs feiras santuárias da populaça, resultando na prática, a minha vida mesma, em um ror de mentiras – se não honestas e/ou piedosas, ao menos bem intencionadas, como é próprio dos infernos privados.
Ao atulhado logradouro de lembranças vou buscar ficções verídicas e inverosímeis no intuito da mistificação alegórica e pró-moral. Exemplo maior: morta a Mãe, finado é tudo o que for princípio.
Ao estaleiro da memória recorro a toda a hora, mormente quando anoitece logo pela manhã. Exemplo não menor: o meu Pai manquejando, como se o liso chão estivesse emboscado de invisíveis móveis irrequietos tropeçadiços degraus. Assim escrevo. Assim escrevivo.
A viúva que acaba de passar? – Manilha-de-paus com atavios de dama-de-copas, dessas que não raro desovam filharada póstuma bem para além das 36 semanas de regimental respeito ao falecido.
O ajudante de armazém importador de bananas com tanto quisto sebáceo na região demarcada do sovaco? – Estandarte vivo da Escrófula com que Deus Vosso Senhor intumesce os culpados relapsos de onanismo, esses punhetas ateus.
Aviso: não é que estas pessoas tenham, deveras, acabado de passar pela antecâmara do meu lápis fot’oftálmico – mas existem. À minha maneira, existem – como aliás também os anjos: só quem, pelo entardenoitecer do Outono, não foi dar aos patos fluviais uma última demão de pão velho os não sentiu. (Os não sentiu no olhar, que não pelos olhos, digo.)
De que trata, pois, o caderno-livro de que V. falo? De impreteríveis sedas & sedes, de espúrias espumas, do arco-da-velha-das-coisas, de cenas de uma violência extrema como por exemplo a epifania que toda a criança, mesmo alheia, é, de lances de censurável exposição sexual como ainda agora aquela nuvem missionariamente por cima daqueloutra (mas nenhuma nuvem, não importa, está-dito-está-feito-está-lido-está-vivido). Trata do antagonismo entre a luta e o luto. Fotografa estas povoações sem remédio mas com farmácia por que disperso a minha vida compendiável para além daquelas duas datas que sabemos.
No fundo como à flor, vivo de & para ninharias. Seja. Na dimensão daquilo a que à falta de melhor palavra chamamos Realidade, o que importa mesmo são os dois dedos manuais que um trabalhador perdeu de si em acidente laboral ocorrido no passado dia primeiro do corrente em uma empresa metalúrgica sediada em Celeirós, Braga. Isso sim. Isso é que é literatura. Eu sei. Nem sinto confusão, nem faço confusões – a mão doravante mutilada desse trabalhador conta mais do que quanta página eu seja capaz. Pois, nenhuma confusão. Exemplo: não confundo o Duarte Lama com o Dalai Lima. São carecas não mutuamente reagentes.
Fiquemos hoje por aqui. Está em curso a semana. São 7 e 19 da matina, tenho de apanhar o expresso das 8 e 20 para a minha terra, vou lá tratar de papeladas inadiáveis relativas a não sei quê (mas a quem, sei). Está frio. Levo o casaco mais pesado. Vou de botas.

Confio no frio. É uma espécie de pele de vidro. Tenho os dedos todos.