quarta-feira, 17 de junho de 2015

Estórias nazarenas de Júlio Murraças e ilustrações de Zé Oliveira será lançadp amanha, dia 20 pelas 18h na Galeria Municipal Artur Bual da Amadora

Na próxima quinta-feira (dia 18 de junho), pelas 18 horas, a Galeria Municipal Artur Bual é o cenário para a apresentação do livro “Estórias Nazarenas – Se não é verdadeiro… ‘tá bem caçado”, de Júlio Murraças.
Júlio Murraças, nazareno de alma e coração, apesar de residente na Amadora durante grande parte da sua vida, recorre às memórias da sua juventude para uma compilação de pequenas estórias da terra natal, que foram passando por várias gerações, com base na oralidade.
As estórias reunidas no livro são contadas num estilo literariamente livre e de uma forma despretensiosa. Na sua maioria, refletem um lado irónico e sarcástico do humor e de um certo estar dos nazarenos.

O livro conta com a participação do cartoonista Zé Oliveira que fez diversas ilustrações.

Na ocasião, haverá um momento musical com Guto Pires, cantor e compositor guineense.

Comemoração da criação de Zé Povinho 20 de Junho no Museu Bordalo Pinheiro de Lisboa

Rafael Bordalo Pinheiro desenhou pela primeira vez a figura de Zé Povinho no seu
jornal A Lanterna Mágica de 12 de Junho de 1875, num cartoon alusivo às Festas de
Santo António.
Uma vez que o dia 12 é véspera de Santo António, o Museu Bordalo Pinheiro celebra a
mais genial criação de Rafael Bordalo Pinheiro a 20 de junho, sábado, com um
conjunto de actividades que animarão o Museu ao longo do dia.

Às 11 da manhã vamos abrir a Feira do Livro de Poesia e Banda Desenhada,
organizada por Inês Ramos, onde pode encontrar os mais recentes publicações de
autores portugueses.

Às 11.30 começa o atelier construção de um taumatrópio – um dos mais antigos
aparelhos de pré cinema - integrado na exposição de imagem em movimento, pela
NTheias.

Os azulejos de inspiração bordaliana feitos pelos alunos de artes visuais do colégio de
Santa Doroteia vão ser apresentados às 13 horas pelo seu professor, Mário Linhares.

Penim Loureiro vai dar uma sessão especial do seu curso de Banda Desenhada
dedicado ao desenho digital na BD, a partir das 14 horas (inscrição obrigatória).

Às 17 horas teremos Fanzines à Conversa com Geraldes Lino, Inês Ramos e alguns
autores de fanzines.

No âmbito da exposição “Vivinha a Saltar, a Varina na obra de Bordalo”, às 19 horas o
grupo de Teatro dos Serviços Sociais da CML vai apresentar a peça Confissões de uma
Varina, depois do sucesso da sua apresentação no Museu de Lisboa.

Entretanto, ao longo do dia teremos várias aparições do próprio Zé Povinho,
nomeadamente para provar a cerveja Bordallo, às 18 horas.

Contamos consigo!



Mais informações: museu.bordalopinheiro@cm-lisboa.pt ou 21 8170671

A exposição "Liberdade - Selecção de obras da IV Bienal de Humor Lu'iz d'Oliveira Guimarães - Penela" patente na Assembleia da República- Palácio de S. Bento em Lisboa prolonga a sua abertura ao público até 28 de Junho



Crónica Rosário Breve n.º 411 - A Escolha (acta de consulta) por Daniel Abrunheiro


De seu/dela lado da mesa, a Senhora pergunta-me:
– Qual é a sua Primeira Recordação da/na vida?
É uma pergunta profissional. Clínica, não cínica. A mesa é de consultório.
Respondo:
– No Pátio da Casa dos Pais, 1967, tenho três anos, algo debaixo de um papel ou cartão, acho algo que me enche de alegria, alguma quinquilharia-tesouro, não consigo saber o quê, talvez uma carica de garrafa de laranjada para fazer um ciclista, talvez um cromo ainda bom de jogador da bola para a caderneta, só recordo o ter achado, não o achado em si, ou em mim, só o ter feito um descobrimento, a emoção intensa (chamam-lhe “adrenalina”, hoje em dia), o sapato direito garimpando aquela fortuna incalculável,  que, de facto, ficou por calcular.
A Senhora então assim para mim:
– É mesmo essa a sua Primeira?
Ardil. Tento esconder o gato sem mostrar o rabo. Em vão: ela sabe do ofício.
Eu assim para ela:
– Até que ponto, Doutora, são as recordações deveras factuais? Quanta ficção maquilhada pelo desejo as não emboneca? Quanto real é/há nelas? Quão sincero (nos) é o Passado (ou nós sinceros para com ele)? Quanto tem ele de fabricação?
Ela sossega-me:
– As recordações têm sempre algo de verdadeiro, de histórico, na origem. A essa verdade antiga costuma associar-se, inconscientemente embora, o contexto, a época, o ouvido, o falado, o que os mais Velhos disseram, o que a Criança apre(e)nde(u).
E insiste:
– É mesmo essa a sua Primeira Recordação?
Decido abrir o jogo:
– É. Mas há uma Segunda que é Primeira também. Ex-æquo, diria eu. E digo.
E ela:
– Conte-ma, por favor.
E eu:
– Tem de ser 1967 ou 1968, no máximo. Não pode ser mais perto no Tempo. Nem mais longe – eu sou dos de ’64. Ainda não ando na Escola. É na terra do meu Pai, não naquela onde moramos, que é a da minha Mãe. Levavam então as crianças a essas coisas fúnebres. Acho que ainda levam. De repente (é uma espécie de clarão na mente), num adro (árduo), vejo o Caixão. Já saiu da Igreja, ainda não chegou ao Cemitério. Terra seca. Está completamente só, o Morto. Como deve ser, s(up)onho eu agora. O Rosto é um lenço sobre o rosto. Brisa nenhuma. O Rosto-rosto não se mexe. Os homens pousaram-no ali. Talvez para descansarem um pouco. Os homens desapareceram. O séquito desapareceu. O Sol a pino. A pique. Absolutamente Só. Absolutamente Sol. Absolutamente ninguém em torno do esquife. Não me vejo a mim mesmo – sou Aquele-que-Olha.
A Doutora:
– De quem era o funeral?
Eu:
– Era de um homem já grande quando o meu Pai ainda era menino.
A Senhora:
– Muito calor?
Eu:
– Insuportável. Aquela luz irrespirável à García Márquez, sabe a Senhora? O negro acérrimo do ataúde. Ninguém à volta daquela Caixa-Preta. A força do calor açulada pela força do Ninguém-à-Volta, pela força do Nada-por-Todo-o-Lado. Nem o meu Pai à vista. Até hoje.
A Senhora:
– Há estudos que apontam no sentido de um maior pendor para a sobrevivência no caso das pessoas cujas primeiras recordações estão associadas à alegria, ao prazer, a sentimentos bons como a gratidão, a surpresa agradável etc. O senhor tem duas Primeiras.
Qual delas escolhe?
E eu:
– Mas eu posso escolher?
Então a Senhora assim:
– Pode. Pode sempre escolher. Fixe isso: pode escolher sempre. Creia nisso. Mas é bom que tenha sido franco com o acréscimo da “Segunda-também-Primeira”.
E eu:
– Então escolho a primeira-Primeira. A do Achado.
Então a Senhora assim:
– Como, ou o quê, são hoje para si os dias de muito calor?
Eu:
– Acho que compreendo a pergunta. São mortíferos e mortais e sozinhos. Olhe a Senhora que eu gosto de praia no Verão. Mas prefiro-a de Inverno. Ao Estio, prefiro de longe o Outono temperado. Até a Invernosa mais álgida lhe prefiro.
A Senhora:
– Compreender é bom. Ajuda a escolher. Não muda o Passado. Mas muda qualquer coisa (para) hoje.
Eu:
– Mas nunca saberei o que estava sob o papel/cartão, o que achei, o que me alegrou tanto.
A Senhora:
– Escolha o tesouro que quiser. Mesmo que esteja calor a mais.

Consulta acabada, sozinho na paragem de autocarros. Sol forte, implacável, daquele de enegrecer rosas. Mas, perto, há uma orla de sombra viva: como uma gaze fresca atirada pela Mãe. Acolho-me a ela. O autocarro vem a horas. E, uma vez na vida ao menos, eu também.
Obrigado, minha Senhora.
Obrigado, acho eu.

Ou escolho.

Rosário Breve - Duas por uma resto zero - por Daniel Abrunheiro


1. O Regresso do Emigrante
À saída do comboio, sentiu que o tempo tinha mudado de espessura. A ausência tinha oxidado os pombos e as palmeiras. O jardim era do esmalte que consubstancia o futuro anterior. No coreto, fantasmas filarmónicos tocavam Roberto Carlos.
Comeu um quarto de frango numa churrasqueira enegrecida. O recepcionista da pensão aceitou-lhe as malas com um gemido artrítico.
De volta ao largo, conferiu a eternidade das mercearias, os jogadores de cartas aposentadas, a sesta dos táxis e a fragrância mortífera da desesperança.
Trinta anos em França. Doze na Alemanha. As mãos dormentes de tanto trabalho. E, agora, o regresso, essa missão impossível. As crianças tinham-se casado. As aldeias eram iguais entre si como requeijões. As pastelarias repetiam-se umas às outras como sonhos feios. Os arquitectos pariam cubos de cimento como galinhas geométricas. Os farmacêuticos aviavam pastilhas contra o problema de ter nascido. E os futebolistas da equipa local eram brasileiros que entristeciam de frio na noite dos cafés cibernéticos.
Ao jantar, na mesma churrasqueira, ainda considerou a possibilidade de voltar para trás: França, Alemanha. Mas decidiu que não, que ficaria.
Que, no próprio dia seguinte, trataria de comprar um táxi ou um baralho de cartas, de modo a poder usufruir, em pleno esmalte, da glória de Roberto Carlos tocado até nunca mais pelos benignos fantasmas da filarmónica de quando isto era vila e ele não tinha partido para sempre.
2. Ao Alcance das Mãos
Contar e ouvir histórias não são actividades exclusivas da infância. Pertencem igualmente ao mundo do envelhecimento. Porquê? Porque as histórias, próprias e alheias, narradas e ouvidas, servem para melhorar a realidade. A realidade, sim. Porque a realidade nunca é bastante. Porque raramente é bonita, construtiva, adequada. E porque a realidade sai distorcida do velho conflito entre as mãos, que representam a prática, e o coração, que é a despensa sangrenta de tudo o que realmente vale a pena. Por tudo isto, trago hoje outra história.
Era uma vez uma pessoa que tudo deixava cair das mãos. Bebé, compreendia-se que tal lhe acontecesse. Veio a puberdade e, com ela, o ostracismo. “Ostracismo” quer dizer (mais ou menos) que tudo e todos ficam longe de nós, porque todos e tudo assim o querem. Todas as coisas vinham parar ao chão, segundos depois de tentar segurá-las nas mãos. Estas eram, ao menos na aparência, normais: dez dedos e dez unhas, mais as oito linhas que marcam o delta do destino. Garfos, jornais, jarras com suas flores, anéis até: tudo acabava no chão.
Já adulto, não segurava nem empregos nem amores. Das mãos lhe caiu a vida do pai e a de um irmão. E também a do cachorro amarelo, único dos seres que tinha podido conservar, pois, como é sabido, são os animais que nos possuem e seguram.

A história acaba assim: deixou de tentar agarrar com as mãos coisas e pessoas. Descobriu que a única forma de ter está no olhar. E que, vistas as coisas assim, a realidade não é tão má como parece. Sim, mesmo aquela que temos ao alcance das mãos.