De quando em vez, os bivalves tornam-se objecto
de apanha proibida. A interdição sanitária visa precaver o consumidor de
incómodos mui nocivos, como sejam, e são, a intoxicação diarreica e a amnésia.
A estas duas mazelas de mau convívio, eu ousaria, e ouso, adir a patologia
social da sintonização televisiva na TVI e a famigerada abstenção eleitoral,
por fundamentarem, a meu ver, a nem sempre compreendida mas crucial distinção
entre o praticar o mau-olhado e o ficar mal-visto. Já da supracitada paridade
diarreia/amnésia, não me inibirei, escarninhamente, de, atentos os resultados
eleitorais, relevar a peregrina simetria moitaflorista de, se de facto o senhor
Ricardo Gonçalves “não tem cabeça para a
herança de Moita Flores”, também o senhor Moita Flores, pelos vistos e
pelos votos, não ter unhas para a viola da herança de Isaltino. Sequer. Acaba
por ser triste, aliás: conta mais um responsável preso do que um irresponsável
em liberdade.
(Nota: com a relesia das minhas crónicas de
última página e penúltimo bom-senso, mais não pretendo do que subsidiar o
historiador do futuro que se não arreceie
de emporcalhar as mãos na gamela da sociometria política à portuguesa de
princípios de terceiro milénio. Quem deveras não tem cabeça para urdume de tão monumental desconcerto c’est moi, como Flaubert dizia que era a
Madame Bovary. Ou aquela Loulou do perfume da Cacharel.)
Do maralhal cómico que bota bitaite comentador
nas capoeiras de néon, vulgo estações televisivas, não houve muito exemplar que
relevasse o verdadeiro vencedor das Autárquicas/2013: a Abstenção. No formoso
trecho de mundo chamado Ribatejo, ela campeou lezírias e galgou valas,
malogradamente revestida, como sempre e por todo o lado, das não diáfanas gazes
da indiferença, da resignação, da desistência, da não-resistência e da
auto-interdição comum à dos bivalves de quando em vez.
Isto que digo nem sequer é discutível, posto que
inequívoca verdade de Abrantes a Ourém, de Alcanena a Vila Nova da Barquinha,
de Almeirim a Torres Novas, de Alpiarça a Tomar, de Benavente ao Sardoal, do
Cartaxo a Santarém, da Chamusca a Salvaterra de Magos, de Constância a Rio
Maior, de Coruche a Mação e do Entroncamento à Golegã, passando por Ferreira do
Zêzere. E o mesmo vale dizer dos restantes 287 municípios do território pátrio.
Tenho por definitivo que o abstencionista é
bivalve. E do estragado, não desse que, fresco como um limão de sal, acorda o
mar no palato em cúpida antemão de uma rajada gélida de cerveja e/ou de uma
explosão glacial de verdasco gaseado. Somos deveras um País tão lerdo, que ao
cabo de meio século de ditadura vamos já cumprindo, como quem enferma de um mal
que desconhece ou à guisa de quem pena de um anátema que se calhar merece,
quase outra meia centúria de tiranete “democracia”.
(Nota pessoal e final: posso parecer-vos
indignado. Não estou. Isto já só me faz bocejar larga, aberta e profundamente,
em nojosa exposição da mui cariada arcada dentária minha. Sim, este Povo
leva-me ao bocejo, à quase misericórdia quase cristã. E à saudade do senhor
Bulhão Pato, que sabia mais de como se faz a amêijoa do que esta minha gente
há-de saber de como fazer, de si mesma, País. E que nem sabe que diarreia e
amnésia, em alegada Democracia, são uma única e mesma coisa.)
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