Penso que não há exagero em
classificar como fenomenal um semanário de Humor que nasceu na
sequência do êxito popular de que gozavam os Parodiantes de Lisboa,
na década de sessenta do século XX – mas conquistou, por mérito próprio, a sua independência
Humorística.
Todos os que trabalham, ou
trabalharam, em órgãos da nossa Imprensa Escrita sabem que a edição de revistas
e jornais é condicionada por factores comuns a todos eles, e que podem
explicar-se deste modo: 1. – As tiragens são, normalmente, pequenas (por razões
culturais, porque o País é pequeno, porque há pouca gente com hábitos de
leitura – todos conhecemos estas razões); 2. – Nenhuma publicação sobrevive
apenas com as receitas das vendas e das assinaturas; 3. – As receitas da
publicidade são essenciais para a sobrevivência... Ora bem, estes factores são
ainda mais evidentes quando falamos deImprensa Humorística ou Satírica,
para a qual os Anunciantes sempre tiveram grande relutância em encaminhar as
suas verbas publicitárias, talvez por acharem que “não parece bem” colocar um
anúncio de uma empresa “séria” num jornal de Humor…
Todavia, nenhuma destas
condicionantes se verificou, no semanário Parada da Paródia.As
tiragens foram excelentes, houve lucros, e houve publicidade a um nível muito
razoável.
O jornal surgia como complemento
impresso daquele Humor que tornara os Parodiantes campeões das
audiências radiofónicas, com programas tão populares como o Teatro
Trágico, o Vira o Disco e oGraça com Todos, este
último acompanhando estrategicamente a hora do almoço dos portugueses, (ainda
sem a concorrência da Televisão), e com personagens tão marcantes como Patilhas
& Ventoínha, Jack-Taxas & Cara-Linda, ou o Compadre
Alentejano. Parece fácil explicar que o êxito do jornal se basearia, por
arrastamento, no êxito da Rádio… Mas essa, sendo a explicação inicial, deixou
de o ser à medida que as semanas foram correndo e, após a espectacular tiragem
de 54 mil exemplares dos primeiros números, coisa nunca vista até então, as
edições estabilizaram à volta de uns excelentes 20 mil exemplares, e só viriam
a diminuir um pouco quando parte das atenções do público se desviaram, em 1961,
para a Imprensa Diária, por causa das notícias sobre a Guerra Colonial.
Qual é, então, a explicação
complementar para o êxito da Parada da Paródia? Sem dúvida, a
qualidade dos textos e das ilustrações que apareciam nas suas páginas. E a
imaginação, renovada semana após semana, com a edição de números dedicados a
temas originais tão inesperados como as Moscas, as Casas de
Penhores, as Parteiras, as Bruxas, o Fado,
os Guarda-Nocturnos, osQueijos, os Carteiros, as Varinas,
a Água – e até o Vinho (este último numa
edição impressa a roxo, e contendo um vale que dava direito a ir tomar um copo
num estabelecimento do produtor que patrocinava o tema)...
Algumas secções fixas reproduziam
temas transpostos da Rádio, como o Rádio-Crime e as paródias
aos folhetins radiofónicos; mas outras, para além dessa origem, eram
popularíssimas, como ABronca da Semana, o Guichet de
Reclamações, o Ficheiro dos Caricaturistas e o Expediente
do Director. E foi lançado, entre outras iniciativas, um concurso para
eleição da Flausina Modelo, que teve uma adesão invulgar.
A diferença estava, sem dúvida, no
especialíssimo lote de colaboradores – os que escreviam e os que desenhavam – e
na qualidade do Humor apresentado.
Mas, antes de falarmos desses
aspectos, comecemos pelos pormenores técnicos:
A Parada da Paródia foi
publicada semanalmente, às quintas-feiras, durante dois anos exactos – do
número 1, de 10 de Novembro de 1960, ao número 104, de 1 de Novembro de 1962.
Tinha o formato 31x23 cm, e era
impressa em rotativa, em sistema tipográfico, a preto e uma cor, em papel
normal de jornal.
Cada exemplar custava vinte e
cinco tostões (2 escudos e 50 centavos, o equivalente, em Euros, a menos de 1
cêntimo e meio).
O primeiro número tinha 16
páginas, 8 das quais a duas cores, mas, logo no número 2, o êxito das vendas
obrigou a aumentar o número de páginas para 24. Mais tarde, a partir do número
27 e até ao número 70, passaria a publicar 28 páginas, sendo as 4 suplementares
impressas em offset. Do número 71 até final, voltaria às 24 páginas, eliminando
as 4 suplementares em offset.
Era impresso na Casa Portuguesa,
uma tipografia da Rua das Gáveas, no Bairro Alto, onde também se imprimia,
entre outros, o Diário Ilustrado.
QUEM FAZIA A PARADA DA PARÓDIA
É importante recordar a listagem de
todos, ou quase todos, os que passaram pela Parada, como
apareceram na Ficha Técnica respectiva.
Director - António Gomes de
Almeida
Editor - Ruy Andrade
Chefe da Redacção - Manuel Puga
Chefe de Publicidade - José
Andrade
Redactores – Matias Redondo (Carlos
Pinhão), que escrevia a secção desportiva Meia Bola e Força!; Macacão (António
Rolo Duarte), que fazia a secção de Espectáculos Ver, Ouvir e Gozar;Flausina (Maria
João Duarte) que respondia ao Correio da Flausina; Raúl da Costa,
ex-autor de teatro de revista, com colaboração variada; Antero do
Quintal e Camilo com E (Antero Nunes e Benjamim
Veludo) que escreviam À moda do Porto; Pepe (Álvaro
Magalhães dos Santos), que escrevia As Aventuras do Arnestinho e
a Antologia do Pensamento Mental; Zé que Ri, autor dasBroncas
Rimadas – e, de vez em quando, mais alguns.
Para além destes colaboradores,
que escreviam as secções fixas, o corpo do jornal era preenchido com textos do
Director, do Chefe da Redacção e alguns do Editor.
Quanto aos Desenhadores,
nunca se reuniu, num mesmo jornal, um lote tão grande e tão talentoso como
este!
O desenhador principal (autor de
todas as capas, de muitos cabeçalhos, ilustrações, cartoons e muito mais) era o
João Martins, que viera de O Mundo Ri, e que iria, mais tarde, dedicar-se
a filmes de desenhos animados, e também a trabalhar como grande ilustrador de A
Bola e de o diário, para onde foi levado pelo Carlos
Pinhão.
Além deste divertido personagem, a
lista dos desenhadores incluía o Túlio Coelho (que transformava em Banda
Desenhada as radionovelas do Teatro Trágico); o Manel (Manuel
Vieira), que também trabalhava para a RTP; o alentejano Mário Elias, cujo nome
seria mais tarde atribuído a uma Casa das Artes em Mértola; o tímido portuense
Miranda; o excelente ilustrador Vítor Ribeiro; o José Antunes (que chefiaria
depois o sector gráfico da Verbo e o do Círculo de Leitores); o talentoso Zé
Manel (filho do artista Meco, e um dos mais talentosos ilustradores deste País,
que publicaria aqui os seus primeiros bonecos); o Reinaldo; o
animado e meio louco Gustavo Fontoura (que, com o Manuel Puga, publicaria dois
volumes de "fotogozos" com o título Puflas); o
Moreira Rijo, que trabalhava na RTP; o Vítor Milheirão, chefe do restauro na
Gulbenkian, com o seu amigo inseparável, o Ricardo Reis; o João Benamor, que
era militar e fazia, nas noites em que estava de serviço no quartel, uns
desenhos cheios de minúcia, muito bem acabados; o Mário Jorge, filho e herdeiro
do estilo do conhecido Mário Neves, autor de excelentes filmes publicitários
para a TV, como os da Laranjina; o Augusto Cid, que já tinha então
uma produção e um talento enormes; o Rui Torres, este pouco assíduo; o Yoke,
que tinha um estilo original, mas também publicou pouco; o Joes (Jorge Esteves,
que mais tarde seria professor na António Arroio, depois de ter sido
colaborador na Regisconta); o Ton (António Gomes Ferreira), de Coimbra; o
Fausto Boavida; e ainda um Arruda, um Machado, um Toni e um Guerra, que tiveram
escassa colaboração; o Helder Martins, sobrinho do João Martins, que mais tarde
publicaria o seu frustrado jornal A Chucha; e ainda, na fase
inicial, dois outros grandes desenhadores, dos quais se tinham publicado antes
os primeiros bonecos, na revistaPicapau: o Vasco (que então ainda
assinava Agostinho de Castro), e o Adolfo Feldlaufer, um dos
artistas mais originais que ali apareceram, o que veio a comprovar-se mais
tarde, no seu trajecto internacional.
Uma lista impressionante!
Faziam ainda parte da equipa os
Fotógrafos: o Luís Henriques e os dois profissionais da Publifoto.
A Parada da Paródia foi
um êxito, logo a partir do primeiro número, que foi um verdadeito estouro! Teve
de ser reforçada a edição, à pressa, atingindo-se os 54 mil exemplares, o que
era verdadeiramente extraordinário, para a época! Por isso, a partir do número
2, "brindaram-se" os leitores com mais páginas e mais Humor.
As coisas corriam muito bem, em
termos de vendas – embora, em 1961, com o início da guerra em Angola, se
começasse a notar uma certa quebra. As pessoas andavam inquietas com o que se
passava em África, compravam mais jornais diários, por causa da informação,
aliás escassa, e estavam menos viradas para publicações deste género. No
entanto, tudo indicava que o jornal, do ponto de vista comercial, continuava a
ser um excelente negócio.
AS NOITES DE QUINTA-FEIRA NO
DÉCIMO-TERCEIRO ANDAR
As reuniões de redacção da Parada
da Paródia eram à noite, às quintas-feiras (o dia da semana em que o
jornal saía para a rua), no 13º andar do prédio da Avenida dos Estados Unidos
da América nº 102, numa grande sala ao lado do estúdio de gravação e dos
escritórios das duas firmas associadas: "Parodiantes de Lisboa,
Lda.", que geria toda a actividade relacionada com a Rádio e tinha dois
sócios, os irmãos Andrade – e "Tela-Parodiantes", que tratava de todos
os outros tipos de publicidade.
Eram reuniões animadíssimas, cujo
barulho animava os treze pisos do enorme edifício, em cuja base estava
instalado um estabelecimento que era uma espécie de "Templo do Cinema
Moderno Português" – o Café Vává, centro de convívio de cineastas,
jornalistas, músicos e outros artistas.
A ele desciam todos, de corrida,
um pouco antes das duas da manhã (que era a hora do encerramento do café), para
a última bica. Mas, quase sempre, tornavam a subir, para continuar o trabalho,
a conversa e as piadas. Era, sem dúvida, uma redacção muito alegre.
Aparecia sempre muita gente,
porque era nesse dia que se combinavam temas para os números seguintes e se
distribuíam tarefas. Claro que, na primeira quinta-feira de cada mês, ainda
aparecia mais gente – porque era o dia de pagamento das colaborações... Cada
peça (texto ou boneco) valia então entre 25 e 50 escudos, o que não era nada
mau, em relação ao nível praticado pelos jornais da época. E havia uma folha de
colaboradores enorme!
Os ardinas (que ainda existiam,
nesse tempo) eram incentivados a gritar, nas ruas, o nome daParada da
Paródia. E havia um prémio de cem escudos para aquele que o apregoasse mais
alto!
COLABORADORES MUITO ESPECIAIS
Já se viu que a Parada da
Paródia tinha muitos colaboradores. Uns tinham mais piada que outros,
como é evidente – mas, entre eles, houve quem se tornasse notado por razões que
pouco tinham a ver, directamente, com o Humor.
Ao acaso, aqui vão dois episódios:
um, de um colaborador da parte escrita; outro, de um desenhista...
Certo dia, recebeu-se na redacção
uma carta assinada com o pseudónimo "Zé que Ri", sem mais indicação
alguma; nem nome, nem morada – nada. Eram uns versos em forma de gazetilha,
muito bem feitos e com muita graça. Ficaram a repousar numa gaveta, à espera de
identificação do autor.
Daí a dias, nova carta e novos
versos, ainda melhores e ainda com mais graça. E, uma semana depois, outra.
Resolveu-se começar a publicar aquilo. Arranjou-se uma secção com o título
"Broncas Rimadas" e, semana após semana, foram-se publicando as
gazetilhas – que continuavam a vir pelo correio, regularmente. E nós sem
sabermos nada do autor! "Mas lá que o tipo tem graça, isso tem! Vê-se
que é um rapaz de espírito jovem e arejado!" – era o que todos comentávamos,
na redacção.
Até que, um dia, batem à porta e
aparece, finalmente, o misterioso "Zé que Ri". Vinha, timidamente,
saber se tinha alguma coisa para receber, das suas colaborações. Claro que
tinha, e logo lhe foi pago. Só que... para nosso espanto, o "tipo com
piada", o "jovem arejado" não era um "tipo" nem era
nada jovem; era, sim, uma senhora já entradota, pequenina, feíssima, ainda que
muito simpática!...
Quanto ao outro episódio, tem a
ver com um dos numerosos desenhadores que por lá apareciam, nas reuniões de
redacção. Só que este (cujo nome não se revela, já vão perceber porquê), estava
longe de ser das companhias mais apreciadas. É que o rapaz cheirava mal que era
uma coisa por de mais! Assim que franqueava a porta da redacção, espalhava-se
por toda a vasta sala um fedor impossível de aguentar. Logo alguém corria a
abrir as janelas. Qual quê! A intensidade do mau-cheiro superava todas as
correntes de ar provocadas para afastá-lo! O pior era no inverno, quando o
frio, o vento e a altitude (recordo que estávamos num 13º andar!) nos punham em
perigo de substituirmos um valente mau-cheiro por uma valente constipação.
Ainda por cima, o moço não tinha a
mínima noção do incómodo que causava. Adivinhava-se que não tomava banho há,
pelo menos, um ano – se é que alguma vez experimentara tão insólita operação. A
gente lançava indirectas, contava histórias, falava do Luís XV (que constava
nunca se ter banhado – mas esse, ao menos, encharcava-se em perfumes, para
disfarçar). O nosso desenhista mal-cheiroso nem pestanejava.
Um dia, sabendo que ele fazia
anos, resolvemos oferecer-lhe um enorme sabonete, artisticamente embrulhado,
com uma dedicatória apropriada. Ele abriu o pacote, desconfiado, e saíu-se com
uma frase que nos fez perder toda a esperança de que a situação (e o cheiro)
algum dia desaparecessem: "Mas... isto serve para quê?"...
ERA UMA CASA PORTUGUESA...
Enquanto durou a Parada da
Paródia, as noites de segunda-feira do Director eram passadas no Bairro
Alto. Mas... nada de más interpretações! Embora o local, nessa época, fosse
conhecido pela concentração de "casas de meninas" que o infestavam,
havia, pelo menos, duas outras características que lhe davam especial
interesse: era, igualmente, o bairro onde se encontravam muitas das casas de
fados de Lisboa; e, também, a maioria das redacções de jornais, bem como as
tipografias.
Uma destas era a "Casa
Portuguesa", onde se imprimia a Parada da Paródia. Por isso é
que o Director "entrava de serviço" ao fim da tarde de segunda-feira,
quando começavam a ficar prontas as provas de texto que era preciso rever, e lá
ficava até o jornal estar pronto a entrar na máquina, o que tanto podia
verificar-se à meia-noite como às duas da manhã, ou às quatro, como aconteceu
muitas vezes. Este "horário de trabalho flexível" dependia da
Censura. As provas eram enviadas à medida que estavam prontas e, durante aquele
período de tempo, era um corrupio, da tipografia para a Censura e da Censura
para a tipografia, até estar tudo devidamente autorizado, com o carimbo oficial
aplicado a todas as provas, de texto e de bonecos.
Quando as coisas corriam bem,
aquilo despachava-se depressa; mas, quando os senhores Coronéis censores
embirravam com qualquer texto, ou qualquer imagem, era mais complicado. Então,
era necessário tornar a distribuir o material gráfico, repaginando o jornal e
tapando os buracos que tinham surgido. Havia sempre um stock de gravuras
soltas, que serviam para isso mesmo: para tapar os buracos que a Censura abria,
inventando-se um texto mais ou menos apropriado, que se ajustasse a cada
boneco, e mandando recompor aquilo tudo. Era um desafio à capacidade de
imaginação e de "desenrascanço" que, nesses tempos, era um factor
absolutamente indispensável a quem andava nestas vidas de jornais e revistas.
Isto significava várias horas
seguidas em contacto com uma gente muito especial, que nos habituámos a admirar
e a respeitar, e com quem sempre gostámos de conviver: os Gráficos. Enquanto se
esperava que viessem as provas da Censura, jantávamos juntos numa tasca à
esquina da Travessa da Queimada. Depois, enquanto se compunham as últimas
legendas, ali se esperava, indicando os tipos a usar, lendo os textos às
avessas, nas páginas já meio arrumadas, conversando com os compositores, com os
impressores, com o chefe da oficina...
Deste, guarda-se uma lembrança
pitoresca. Era o Miranda, um gordo bem-disposto, que usava uma linguagem
profissional curiosamente repetitiva, porque, dizia ele: "esta malta,
se a gente não explica tudo bem explicadinho, faz disparate”. E então, para
indicar a um jovem operador de composição como queria um título, ele dizia
assim: "Olha que isso é tudo em versais, ou seja, em caixa alta,
portanto, tudo em letra grande, ou seja, em maiúsculas, tás a ouvir? E é um
título centrado, mas centrado mesmo ao meio, metade para cada lado, percebeste?"
Nunca se chegou a saber até que
ponto isto era propositado, quer dizer, se ele falava desta forma por piada, e
se esta linguagem era mesmo assim, deliberadamente tosca. Mas parece que sim,
porque havia outros exemplos do seu Humor. Quando, um dia, foi preciso refilar
por causa de uma "gralha" que saíra num texto, o Miranda retrucou,
calmamente: "Ora, não vale a pena dar tanta importância a isso! Um
jornal sem "gralhas" é como a Sofia Loren sem mamas: não tem piada
nenhuma!"
OS 5 TOSTÕES DO CONTABILISTA
VARELA
O jornal acabou prematuramente. E
acabou, não porque não continuasse a ser um êxito de vendas, mas por má gestão
dos recursos financeiros da organização. E também por evidente falta de
competência do contabilista de então (um pitoresco Sr. Varela, sempre muito
preocupado com verbas de tostões, mas sem capacidade para gerir verbas de
milhões). E isso provocava alguns problemas de tesouraria. Por outras palavras:
não é que faltasse dinheiro, mas os recebimentos e pagamentos eram mal
escalonados no tempo.
Ao contrário do que se passa no marketing moderno,
as contas, nesse tempo e naquelas circunstâncias, não serviam para se fazer,
dia a dia, a gestão do negócio: serviam, isso sim, para – com um atraso de
meses ou, mesmo, de anos! – se apresentarem, finalmente, uns balancetes muito
bem elaborados, é certo, mas que apenas serviam para se ficar a conhecer o
aspecto "histórico" do passado.
Era assim a contabilidade de
então. E era assim o contabilista, um senhor muito simpático, uma jóia de
pessoa, mas aquilo a que se pode chamar, com propriedade, um atraso de vida…
Todas as semanas lhe era feita a pergunta: "Então, senhor Varela, as
contas do jornal? Quantos exemplares se estão a vender?" – e, todas as
semanas, ele respondia, invariavelmente: "Estou a fazer o balancete,
mas há uma diferençazinha..." Era preciso insistir: "Mas, não
pode dar uma ideia? Não interessam números exactos, é só para saber, pouco mais
ou menos, se estamos a vender vinte mil, quinze mil… ou só quinhentos
exemplares! Uma coisa aproximada!" E ele: "Tenho que ver
melhor. Há uma diferençazinha de cinco tostões..."
Ao fim de vários meses, a conversa
já era aos gritos: "Mas isto, afinal, está a vender ou não está?!"
E o senhor Varela: "Há uma diferençazinha. Ando à procura de cinco
tostões..." Todos nos oferecíamos para dar, generosamente, dos nossos
bolsos, os cinco tostões, para arrumar a questão. Nem pensar! O senhor Varela
sorria e repetia: "Só depois de acertar as contas. Há uma
diferençazinha..."
Acreditem ou não, esta cena durou
meses. Entretanto, os manos Ruy e José Andrade, que se tinham habituado a viver
muito à vontade, pois os programas de rádio, nessa altura, davam muito
dinheiro, começaram a andar inquietos. É que havia, em cada mês, duas grandes
facturas a pagar: a do tempo de antena no RCP (que era sagrada e tinha de ser paga
até ao último dia de cada mês) e a da tipografia (que, por uma falta de senso
incompreensível, tinham combinado pagar até ao dia 8 seguinte). Claro que,
depois do esforço de cobranças de cada fim de mês, era muito difícil, nos
escassos 8 dias seguintes, cobrar o suficiente para pagar a gorda factura da
tipografia. Por isso, a ideia tonta que se instalou foi esta: "Se é tão
difícil arranjar o dinheiro para pagar as despesas do jornal... é porque o
jornal não está a dar dinheiro!" E, como o sr. Varela não dava
números, por causa dos 5 tostões que faltavam, esta suspeita foi-se
transformando em certeza. Um dia, os Andrades convocaram toda a gente e
disseram que a Parada da Paródia tinha que acabar.
Argumentar, como, se não havia
dados, números, estatísticas? Assim acabou a "Parada da Paródia",
ingloriamente... em plena glória editorial! Isto porque, uns seis meses depois,
surge o senhor Varela, com um sorriso radiante, uns papéis cheios de algarismos
na mão, cantando vitória: "Pronto, aqui estão as contas! Sempre achei a
tal diferença dos cinco tostões. E, olhem, sabem uma coisa muito engraçada?...
Mesmo nas semanas mais fracas, quando foi aquela coisa da guerra de Angola, o
jornal deu sempre lucro! Sempre!"
O senhor Varela já morreu há anos.
De morte natural, coitado. Mas, até hoje, ninguém conseguiu explicar o que
impediu, naquele dia e naquela hora, o seu assassínio, lançando-o da janela do
nosso 13º andar!...
…E aqui está como uma publicação
de Humor, que tinha a missão de deitar Humor cá para fora – também viveu, por
dentro, situações humorísticas (ainda que, às vezes, de um Humor um tanto ou
quanto negro)…
(O autor
foi director do jornal “Parada da Paródia”)
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