Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Fado, a
expressão da alma lusa! Este é um cliché defendido por muitos como se fosse
nosso destino ter “gosto de ouvir a nossa
desgraça”. É verdade que o som do queixume timbra a saudade nos harpejos da
guitarra portuguesa e os melismas vocais do fado mas, se este fala da vida de
todos nós, o humor também pode ser uma das suas vertentes.
O Fado evoluiu
da tristeza feita música, das despedidas dos marinheiros de destino incerto, da
saudade dos portos da vida, por vezes “batido” em dança erótica, por vezes
gargalhada no sarcasmo da revolta contra as contrariedades, por vezes chorada
no álcool. Nasce dum meio castiço, brejeiro, de vidas perdidas e reencontradas
na camaradagem da miséria, das tascas onde o ambiente tanto dava para a
nostalgia trágica, como para a grosseria cómica, para o riso no grotesco. Esta
riqueza de matizes emocionais, de cores melódicas é vivida com maior riqueza no
“Fado Vadio” ou nas “Desgarradas” em que o espírito está mais solto para a
realidade do momento.
Sendo uma canção
ligada às classes operárias, desde logo, a emergente arte da caricatura de
imprensa se inspirou neste universo para as suas alegorias de sátira política,
tendo como principal cultor Rafael Bordalo Pinheiro.
Também a
dramaturgia, na sua requalificação de sobrevivência popular, na estrutura da
“Revista à Portuguesa”, iria adoptar o Fado, explorando o seu casticismo para
veicular a sátira social e política. Encontraremos tanto os Fados de luta
ideológica como de escárnio e maldizer.
A monarquia foi
pródiga na comicidade fadista, em crítica, tal como a Primeira República também
seguirá esta linha satírica. Seria a ditadura Salazarista, com o seu poder censório
a intentar contra estas liberdades de espírito, a procurar enclausurar o fado
unicamente para o lado negro da alma, balizando a sua evolução na desgraça de
ser português.
O quadro “Fado”
de José Malhoa tem a mesma idade que a nossa República e nele se podem
encontrar as iconografias do ambiente onde germinou o fado, ambiente boémio de
mulheres perdidas e marialvas a trinarem nos seus desejos. Como diria Stuart
Carvalhais numa das suas charges
filosóficas – “Chamam-nos perdidas mas é
connosco que eles se encontram…” Os caricaturistas, de imediato, se
assenhorearam deste quadro, parodiando-o, recriando-o transformando a “mulher
perdida” na “República” e o galã no Zé Povinho, esse bobo da corte eternamente explorado
pelos políticos, pelo poder económico que compra tudo o que for necessário para
seu desfrute pessoal ou de grupo. O Zé nunca conseguirá convencer a
“República”, tanto mais que aqui está agrilhoado para a eternidade nas tintas
ressequidas pelo tempo. O “Fado” satírico-pictoral é a imagem da eterna
frustração do Zé em deleite platónico junto a uma República ideal…
Há humor, há
comicidade na vida do Fado, de forma discreta, menos turística, mas sempre
popular. É verdade que há mais adeptos da tragédia que da comédia. Há mais
prazer nacional em chorar silenciosamente com as “pedras da calçada” do que abafar o som das “guitarras de Alcácer-Quibir” com as gargalhadas. Mas, a vida não é
uma tristeza…
- Silêncio!
Vai-se cantar o Fado!!!
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