terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O Fado e os humores por Osvaldo Macedo de Sousa

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Fado, a expressão da alma lusa! Este é um cliché defendido por muitos como se fosse nosso destino ter “gosto de ouvir a nossa desgraça”. É verdade que o som do queixume timbra a saudade nos harpejos da guitarra portuguesa e os melismas vocais do fado mas, se este fala da vida de todos nós, o humor também pode ser uma das suas vertentes.
O Fado evoluiu da tristeza feita música, das despedidas dos marinheiros de destino incerto, da saudade dos portos da vida, por vezes “batido” em dança erótica, por vezes gargalhada no sarcasmo da revolta contra as contrariedades, por vezes chorada no álcool. Nasce dum meio castiço, brejeiro, de vidas perdidas e reencontradas na camaradagem da miséria, das tascas onde o ambiente tanto dava para a nostalgia trágica, como para a grosseria cómica, para o riso no grotesco. Esta riqueza de matizes emocionais, de cores melódicas é vivida com maior riqueza no “Fado Vadio” ou nas “Desgarradas” em que o espírito está mais solto para a realidade do momento.
Sendo uma canção ligada às classes operárias, desde logo, a emergente arte da caricatura de imprensa se inspirou neste universo para as suas alegorias de sátira política, tendo como principal cultor Rafael Bordalo Pinheiro.
Também a dramaturgia, na sua requalificação de sobrevivência popular, na estrutura da “Revista à Portuguesa”, iria adoptar o Fado, explorando o seu casticismo para veicular a sátira social e política. Encontraremos tanto os Fados de luta ideológica como de escárnio e maldizer.
A monarquia foi pródiga na comicidade fadista, em crítica, tal como a Primeira República também seguirá esta linha satírica. Seria a ditadura Salazarista, com o seu poder censório a intentar contra estas liberdades de espírito, a procurar enclausurar o fado unicamente para o lado negro da alma, balizando a sua evolução na desgraça de ser português.
O quadro “Fado” de José Malhoa tem a mesma idade que a nossa República e nele se podem encontrar as iconografias do ambiente onde germinou o fado, ambiente boémio de mulheres perdidas e marialvas a trinarem nos seus desejos. Como diria Stuart Carvalhais numa das suas charges filosóficas – “Chamam-nos perdidas mas é connosco que eles se encontram…” Os caricaturistas, de imediato, se assenhorearam deste quadro, parodiando-o, recriando-o transformando a “mulher perdida” na “República” e o galã no Zé Povinho, esse bobo da corte eternamente explorado pelos políticos, pelo poder económico que compra tudo o que for necessário para seu desfrute pessoal ou de grupo. O Zé nunca conseguirá convencer a “República”, tanto mais que aqui está agrilhoado para a eternidade nas tintas ressequidas pelo tempo. O “Fado” satírico-pictoral é a imagem da eterna frustração do Zé em deleite platónico junto a uma República ideal…
Há humor, há comicidade na vida do Fado, de forma discreta, menos turística, mas sempre popular. É verdade que há mais adeptos da tragédia que da comédia. Há mais prazer nacional em chorar silenciosamente com as “pedras da calçada” do que abafar o som das “guitarras de Alcácer-Quibir” com as gargalhadas. Mas, a vida não é uma tristeza…

- Silêncio! Vai-se cantar o Fado!!!

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