terça-feira, 26 de janeiro de 2016
quinta-feira, 21 de janeiro de 2016
Rosário Breve - É engraçado mas falo a sério por Daniel Abrunheiro
Voltarei, nesta Presidenciais, a votar em Manuel
de Arriaga.
É-me despiciendo o facto de o ilustre
Terceirense (açoreano da Horta, n. 1840) estar fisicamente defunto desde 1917 –
é no mesmo que voto na mesma.
Quero-me representado por uma figura de natural
humanismo, de cívicas bondade & benevolência, de regrado carácter, de
exemplar sentido de causa & serviço públicos, de alto empenho na justiça
social – e, já agora, panteísta, que era como chamavam aos
ecólogo-ambientalistas quando ainda era preciso meter deuses ao barulho de rerum natura.
Interessa-me, e muito, que o mais alto
magistrado da Nação não seja um ganancioso predador-distribuidor de honras, ribaltas,
milhões, clientelas & milhões. O Dr. Manuel de Arriaga não é, seguramente o
não foi nem o será, desses. Quando eleito, foi o primeiro a ocupar o Palácio de
Belém – mas (note-se isto muito bem) por sua conta. O arrendamento de 100
escudos ao mês era satisfeito pelo bolso dele. Assim como a viatura automóvel
que oficializou no cargo: comprou-a ele, acabando de pagá-la a prestações
quando já resignara à Presidência. Sim, um homem assim interessa-me. Voltarei
(sempre) a votar nele. Não tenho feito outra coisa, aliás. Quando foi do
Soares, votei Manuel de Arriaga. Quando foi do (outro) Sampaio, votei Manuel de
Arriaga. Quando foi disto, votei Manuel de Arriaga. E tenho ganhado sempre, ao
contrário do País.
Sabendo-o adversário tenaz do analfabetismo (o
do tempo que foi dele, à volta dos 80%; e o do nosso, que andará à volta do
mesmo, evidenciando-se tal conclusão de uma rápida mirada às redes ditas
sociais), tenho-o por aposta certa & vencedora nestes nossos tão desdentados
dias. Agrada-me, além de tudo o mais, que a sua/dele Lucrécia não seja de
Bórgia mas de Brito – e não do Vaticano mas da Ilha do Pico.
Sim, a minha cruzinha plebiscitará sem pestanejo
o portador do primeiro Bilhete de Identidade alguma vez emitido pelo novel
Registo Civil deste País.
E a quem eventualmente me acuse de eleger um
morto, um fantasma, uma assombração, um espectro, uma múmia – ouvirá de mim a
defesa acusadora de o mesmo terem feito, em recentes anos, os meus
contemporâneos – e por dois mandatos consecutivos.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2016
Rosário Breve – Expedição por Daniel Abrunheiro
O pico da montanha reverbera no
vidro nítido do ar-longe. De cá, mulas & homens, provisões & desejos.
Mantimentos longamente acumulados na ideia. Planos que entretiveram vários
invernos. Homens & animais em transe de libertação.
Na estalagem toda de madeira,
esperam. Toda de madeira excepto a estrutura lareira-chaminé. A mesa longa
& larga pode albergar dezasseis comedores, mas os animais comem lá fora.
A Primavera demora o tempo de que
precisa. Eles, homens, também; elas, mulas, também. Há um cão: chama-se Rafael
e não é moço já.
Os estalajadeiros são o casal
Gottlieb: Hermann Gottlieb tem 67 anos e é gordo; Marlene Gottlieb (née Zweig) tem 62 anos e é magra. Dão-se
bem, comungam o silêncio retórico de muitos anos de matrimónio construtivo.
Os homens são oito.
Gunther Schwarz é sueco, 28 anos,
foi mecânico (de bicicletas).
Telemann Kaltz é alemão, 42, foi
aviador (de copos, não de aviões).
Claudio Baresi é suíço do cantão
italiano, tem 50 anos, foi pediatra.
Arménio Jordão, português de
Sintra, 39, foi rico.
Jelavert Zubizarreta, basco e de 19
anos, estudou enfermagem.
Thomas Osgood é inglês de
Yorkshire, 64, foi bibliotecário.
Oleg Mikhaylichenko é russo, 74, foi
professor-primário.
E o sénior é Astor Nicopolidis, grego, 85, que
não se recorda (ou pretende não recordar-se) do que fez & foi na vida
activa.
(Nota do redactor: o
tempo verbal que antecede todas & cada uma das oito profissões é o
pretérito-perfeito. Não é mera coincidência nem estilístico descuido. É de
propósito. E é de propósito porque a ser não voltam aquilo que foram. Estão, os
oito, em modo & condição pré-terminal da doença-do-caranguejo. Dispõem de umas muito poucas semanas para que o cancro de vez os
desembarace do fardo do nascimento. E é por isso que, supra, foi escrito: “em
transe de libertação”.)
E os animais – também? Sim. Também. Chegando os
dezasseis seres à montanha, as oito mulas tornar-se-ão libertas. Os homens
acamparão para continuar à espera. Quando lá no sopé da majestosa elevação, não
terão forças já para qualquer veleidade andina, alpínica ou himalaica. Mas também
não há-de ser isso a desconfortá-los, ou a frustrá-los, ou a (di)feri-los. Já
só hão-de esperar a espera mesma. Estas coisas são de nenhuma volta a dar-lhes.
Estes oito só diferem por ter decidido esperar andando.
Reuniram-se em Istambul, perto do sítio onde ainda
agora há poucos dias o sacana dum islamita-radical-suicida deflagrou uma dezena
de turistas. Demoraram-se dois dias & duas noites na antiga capital
imperial que foi Constantinopla depois de haver sido Bizâncio. Depois, vieram
para esta página, perdão, para esta estalagem tão sossegadamente gerida pelos
Gottlieb.
Esta noite, jantaram carne prensada, ervilhas,
sopa de tomate & marzipã. Ei-los derredor-lume, uns tomando café (Gunther,
Claudio, Thomas), outros havendo chá (Oleg, Jelavert) , outros
xarope-de-groselha (Telemann, Astor) – e Arménio, vinho tinto aquecido. Antes
de subirem para dormir, Claudio sugere que cada um escreva ao seu-alguém (se
algum) uma última carta. As oito missivas terão Marlene & Hermann como
fidelíssimos-depositários-da-puridade. Uns dizem que sim (Thomas, Telemann,
Arménio, Gunther), um diz que não (Jelavert), Oleg & Astor respondem que
vão pensar nisso.
Sabe-se agora (sete da manhã mais catorze
minutos) que não será já bi-octogonal a expedição terminal-humana. Não pelas
mulas, que estão robustas. É que já só sete dos homens respiram – posto que
Jelavert, sofrendo de uma marrada mortífera do desespero, se cortou os pulsos
antes de afogá-los no balde que faz a vez de autoclismo (é modesta, a
albergaria gottliébica).
Nem por isso cancelam a expedição. Ao
ar-longe-vidro, a montanha chama-os, um-a-um, pelo nome próprio, à parecença do
que nesta mesma redacção acima se fez aquando das enumerações relativas. E como
à consciência acontece com a rápida ingestão de ar gelado pelas esponjas
pulmonares, o eco amplia os homens: (…)
arzzarzzarzz, altztzztzz, ésiésiési, dãoãoão,
zgudgudgud, xencoencoenco, ólidislidislidis (…)
Pacientes como budas, as mulas
aproveitam para escarvar enquanto esperam, ao passo que o Rafael as azucrina
fingindo que lhes morde as assaz delicadas canelas, cena
que, apesar de tão divertida & tão preciosa, não constará da carta que por
alguma razão Jelavert decidiu não escrever, de si, como se (ou)viu, nem eco
deixando.
Exposição Luis Filipe e a Farsa da Vida no Museu Bordalo Pinheiro de Lisboa até 28 de Fevereiro
Se ainda não teve oportunidade de passar pelo Museu para conhecer a obra de Luís Filipe, anote na agenda: tem até dia 28 de Fevereiro para descobrir um dos pioneiros do Modernismo em Portugal e um artista marcadamente irreverente.
terça-feira, 12 de janeiro de 2016
O Fado e os humores por Osvaldo Macedo de Sousa
Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Fado, a
expressão da alma lusa! Este é um cliché defendido por muitos como se fosse
nosso destino ter “gosto de ouvir a nossa
desgraça”. É verdade que o som do queixume timbra a saudade nos harpejos da
guitarra portuguesa e os melismas vocais do fado mas, se este fala da vida de
todos nós, o humor também pode ser uma das suas vertentes.
O Fado evoluiu
da tristeza feita música, das despedidas dos marinheiros de destino incerto, da
saudade dos portos da vida, por vezes “batido” em dança erótica, por vezes
gargalhada no sarcasmo da revolta contra as contrariedades, por vezes chorada
no álcool. Nasce dum meio castiço, brejeiro, de vidas perdidas e reencontradas
na camaradagem da miséria, das tascas onde o ambiente tanto dava para a
nostalgia trágica, como para a grosseria cómica, para o riso no grotesco. Esta
riqueza de matizes emocionais, de cores melódicas é vivida com maior riqueza no
“Fado Vadio” ou nas “Desgarradas” em que o espírito está mais solto para a
realidade do momento.
Sendo uma canção
ligada às classes operárias, desde logo, a emergente arte da caricatura de
imprensa se inspirou neste universo para as suas alegorias de sátira política,
tendo como principal cultor Rafael Bordalo Pinheiro.
Também a
dramaturgia, na sua requalificação de sobrevivência popular, na estrutura da
“Revista à Portuguesa”, iria adoptar o Fado, explorando o seu casticismo para
veicular a sátira social e política. Encontraremos tanto os Fados de luta
ideológica como de escárnio e maldizer.
A monarquia foi
pródiga na comicidade fadista, em crítica, tal como a Primeira República também
seguirá esta linha satírica. Seria a ditadura Salazarista, com o seu poder censório
a intentar contra estas liberdades de espírito, a procurar enclausurar o fado
unicamente para o lado negro da alma, balizando a sua evolução na desgraça de
ser português.
O quadro “Fado”
de José Malhoa tem a mesma idade que a nossa República e nele se podem
encontrar as iconografias do ambiente onde germinou o fado, ambiente boémio de
mulheres perdidas e marialvas a trinarem nos seus desejos. Como diria Stuart
Carvalhais numa das suas charges
filosóficas – “Chamam-nos perdidas mas é
connosco que eles se encontram…” Os caricaturistas, de imediato, se
assenhorearam deste quadro, parodiando-o, recriando-o transformando a “mulher
perdida” na “República” e o galã no Zé Povinho, esse bobo da corte eternamente explorado
pelos políticos, pelo poder económico que compra tudo o que for necessário para
seu desfrute pessoal ou de grupo. O Zé nunca conseguirá convencer a
“República”, tanto mais que aqui está agrilhoado para a eternidade nas tintas
ressequidas pelo tempo. O “Fado” satírico-pictoral é a imagem da eterna
frustração do Zé em deleite platónico junto a uma República ideal…
Há humor, há
comicidade na vida do Fado, de forma discreta, menos turística, mas sempre
popular. É verdade que há mais adeptos da tragédia que da comédia. Há mais
prazer nacional em chorar silenciosamente com as “pedras da calçada” do que abafar o som das “guitarras de Alcácer-Quibir” com as gargalhadas. Mas, a vida não é
uma tristeza…
- Silêncio!
Vai-se cantar o Fado!!!
segunda-feira, 11 de janeiro de 2016
domingo, 10 de janeiro de 2016
Se buscan hasta 45 ilustradores para el catálogo-exposición Iberoamérica Ilustra
¿Quiénes pueden participar?
Ilustradores profesionales de
publicaciones infantiles y juveniles nacidos en cualquier país iberoamericano,
sin importar el país de residencia actual, mayores de 21 años.
(Quedan excluidos de la presente
convocatoria el ganador de la edición anterior, los miembros del comité
organizador y los integrantes del jurado, así como el personal del Grupo SM.)
¿Cómo participar?
Los ilustradores podrán participar de
manera individual o en grupo con un mínimo de tres y un máximo de cinco
ilustraciones inéditas y en serie que conformen una secuencia narrativa
consistente y con uniformidad en la que se cuente, a través de imágenes, una
historia con tema libre. Los trabajos no deberán incluir ningún texto y serán
evaluados en conjunto.
- En caso de participar en grupo, se
deberá nombrar a un representante.
- Los interesados deberán completar
debidamente la ficha de registro que se encuentra en el sitiowww.iberoamericailustra.com
- Es necesario llenar correctamente
todos los datos de contacto, incluir una semblanza de máximo 500 caracteres y
la ficha técnica de las ilustraciones (nombre de la serie, título de la
ilustración, medidas y técnica).
- Al completar el registro, cada
participante recibirá una confirmación de inscripción. Una vez recibida, deberá
adjuntar en www.iberoamericailustra.com
sus imágenes en versión digital en
baja resolución (formato JPG, en RGB, a 72 dpis); cada una debe pesar máximo 2
MB.
- Se recomienda considerar la calidad en
pantalla de las imágenes, ya que este será el material que revisará el jurado
durante el fallo.
- Las imágenes con las que participen no
deberán enviarse ni haber sido enviadas a otros concursos que se hayan
celebrado antes o que se celebren de manera simultánea. Del mismo modo, las
obras que se presenten al concurso no deben estar sometidas a evaluación
o dictamen en ninguna editorial, hasta que se emita el fallo del jurado. De lo
contrario, serán descalificadas.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
Estúpidos, Maldosos e Semanais. Uma constelação em torno do Charlie Hebdo na Bedeteca da Amadora a partir de 7 de Janeiro
No dia 7 de janeiro, 1 ano após o atentado contra o Charlie Hebdo, a Bedeteca da Amadora inaugura a
exposição “Estúpidos, Maldosos e Semanais. Uma
constelação em torno do Charlie
Hebdo”, a qual estará patente até ao dia 30 de janeiro.
Integrada no programa “Os Cinco Sentidos da Banda
Desenhada”, conta com a curadoria de Pedro Moura, desta feita com a
colaboração de Osvaldo Macedo de Sousa. Trata-se de uma exposição documental dedicada
ao Charlie Hebdo e à
constelação de publicações e autores ligados ao mesmo, acompanhada de uma
mostra de artistas do mundo árabe que têm
sofrido em nome da liberdade de expressão… Parte das publicações foram
gentilmente emprestadas pelos Serviços da Bedeteca da Biblioteca Municipal dos
Olivais.
No próprio dia 7, pelas 20h00, tem lugar uma mesa-redonda
de artistas do cartoon editorial, estando já confirmadas as
presenças de Nuno Saraiva e Rui Pimentel.
Integrado neste evento, realiza-se no dia 23 de janeiro outra
sessão de debate, desta vez no Museu Bordalo Pinheiro, em Lisboa, de modo a se assinalar
a data da morte do nosso “Pai dos quadradinhos”…
segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
Rosário Breve - Cesário Laranja por Daniel Abrunheiro
Vou esta manhã à minha terra. É
pelo funeral de uma senhora-mãe de gente da minha criação. Mais uma, menos uma.
A prova-dos-nove é consabida.
Ainda lá não cheguei. Preparo em
casa a expedição. Preciso de coisas mínimas, que passo a enumerar: lápis,
afiadeira, caderno pequeno, Cesário Verde em edição-de-bolso; sapatos pretos,
casaco melhorzito dos dois que tenho, gorro tapa-orelhas, suspensórios
cor-de-ceroula; pacote de bolachas-baunilha, laranja, rebuçados de anis,
garrafinha de sovaco sem ser com água; moedas para dois cafés, óculos de perder
ao perto & ao longe, número de telefone da minha Senhora escrito em vários
papéis espalhados pelos bolsos, medalhinha-de-São-Cristóvão para afugentar os
azares de andar um dia inteiro fora de casa; cartão de sócio dos Bombeiros,
fotografia de um cão que tive & a que ainda pertenço, lembrança do nome das
ruas primevas, fixação do meu próprio nome para quando, no cemitério, as
mulheres mais velhas me perguntarem qual dos sete da D.ª Hermínia é que eu sou
afinal.
Estou agora a sair de casa.
Frescote das sete da manhã. Gasto a penúltima moeda no primeiro café. Atiro-me
pela beira-rio, faço a azinhaga dos plátanos, saúdo os patos, desemboco na
praça da antiga moagem. Adquiro-me o bilhete, aproveito o jornal velho que
dormia aos pés de um sem-abrigo caído em combate no banco-de-espera da gare,
folheio a perpétua inactualidade do real, como a primeira baunilha. Embarco.
Viagem espacial: vórtice-continuum
feito de estrelas apeadas, berma-árvores velocíssimas, pastagens salpicadas de
ovelhas como poalha de diamantes, colinas-constelações, oficinas-auto com os
nomes dos donos em manchete. Pouca gente na minha nave: um rapazola de phones autistas, um cavalheiro de
hepática amarelidão, um casal sem alegria de o ser e o motorista, cujos tufos
de pêlo peitoral lutam para estoirar os botões da camisa. Pela énemilésima vez,
o meu Cesário ajuda a regateira de verduras a içar a giga do chão.
Estou chegando: eis o Mondego do
Joaquim Jorge. A Cidade, num clarão de postal, faz-me bem de imediato. Conheço
isto tudo. Cada canto me é episódico. Disponho de alguém conhecido por cada rua
onde me vi sozinho. As pombas são as mesmas de há cinquenta anos. Já não há
fábrica de artefactos de borracha, mas a paragem do autocarro é na mesma em
frente a ela. Ali é a fábrica dos bilhetes-de-identidade. Além é onde se matou
o filho do fotógrafo. Mais aquém, a parede da loja de ferragens continua
manchada da sombra que lhe imprimiu a passagem de uma rapariga muito branca,
muito vestida de azul, em 1977. Mas eis que eis o autocarro. Agora sim, muita
gente. Rostos meus: o Serafim da Preciosa, que está reformado dos serviços
municipalizados; a viúva do carteiro Arnaldo, que anda amigada, dizem as
melhores-línguas, com o Antunes da serração; as netitas gémeas de um que foi
polícia e depois preso e depois não se sabe que seja feito dele; e o motorista
ser mulher chapa-me de repente o que isto mudou.
Apeio-me na minha Rua. Estou
pronto.
Fiz bem em deixar a laranja como
paga do jornal ao homem.
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