sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Que é feito dos nossos jornais de humor? por António Gomes de Almeida


Segundo um Humorista cujo nome se perdeu no esquecimento, “Humor é uma faca sem lâmina, à qual falta o cabo”... Isto quer dizer, entre outras coisas, que o Humor é algo muito difícil de definir. Mas... interessará mesmo defini-lo? Será isso importante?...
Na verdade, mais importante do que definir o Humor, é praticá-lo. O que não acontece com tanta frequência como seria desejável. O Homem é o único animal que tem a capacidade de rir  – mas ri muito pouco. Talvez porque, embora possa rir, não deixa de ser um animal. 
Humor, do Latim humore, é uma forma de divertimento e de comunicação humana, que faz com que as pessoas se sintam felizes. As origens da palavra "Humor" vêm da medicina humoral dos antigos Gregos, que trata de uma mistura de fluidos, ou humores, que controlam a saúde e as emoções.
O Humor é uma revolta em que as armas são o Riso, a Troça, o Escárnio, com as quais se faz o combate ao Ridículo, à Imbecilidade e à Prepotência. É um combate um tanto desigual, pois os Humoristas são muito menos numerosos que os seus adversários. Os Prepotentes, os Imbecis e os Ridículos estão em ampla maioria e têm muita força neste mundo. No entanto, os Humoristas constituem (segundo uma terminologia muito na moda) uma Minoria Esclarecida, capaz de mobilizar as massas para o combate a essas forças retrógradas.
É por isso que os Humoristas, como todas as forças minoritárias, são geralmente mal vistos por quem manda. Porque constituem um perigo para a sua estabilidade, para a sua imagem pública, para o alto conceito que têm de si próprios.
Uma boa piada, no momento próprio, pode derrotar o mais valente general.
Mas os Humoristas são anti-violência. Não acreditam no uso da força. Os verdadeiros Humoristas só acreditam na força do Humor para conseguir melhorar a vida. E crêem que Humor com Humor se paga.
Para dar um toque erudito a esta crónica, talvez valha a pena citar São Tomás de Aquino, que dizia (no século XII): “Ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae”  –  “O humor é necessário para a vida humana”, e ainda que o Humor seria importante para as “forças do espírito”.
Claro que esta não era, nem foi, durante séculos, a opinião da maioria das forças políticas, nem das forças religiosas, que sempre acharam o Riso uma coisa perniciosa. Lembram-se do “Nome da Rosa”? Umberto Eco conta-nos a história de uns livros que haviam sido proibidos pelo Vaticano, por conterem um estudo de Aristóteles sobre o Riso.
Já foram feitos muitos estudos académicos, sérios, sobre o Humor, nas suas variadas formas, que incluem a Ironia, a Sátira, a Paródia, a simples Anedota. Até  Sigmund Freud escreveu uma obra intitulada “O chiste e a sua relação com o inconsciente”, em que o pai da Psicanálise dividia as piadas em duas categorias básicas: as “ingénuas”, que utilizam jogos de palavras, e as “tendenciosas”, que apresentam um aspecto erótico ou preconceituoso. Nas primeiras, o Humor não estaria no conteúdo, mas no trocadilho, enquanto nas segundas ele consistiria no gozo dos estereótipos ou das diferenças.
Isto parece complicado? Com Freud, tudo era complicado. Mas houve um Humorista português, que teve algum êxito em meados  do século XX, chamado Santos Fernando, que tinha uma definição muito mais acessível. Dizia ele que “só existem vinte anedotas básicas  – e estão todas na Bíblia”. E explicava que as anedotas vivem, sobretudo, de situações, umas insólitas, outras corriqueiras, mas sempre repetidas: a situação de conflito entre o homem e a mulher; ou entre o marido, a mulher e a maldita sogra; a situação do avarento (judeu, ou, em alternativa, escocês) que não empresta dinheiro a ninguém; a situação de conflito entre o santo e o pecador; e outras semelhantes, que vão sofrendo variações no decorrer dos tempos, adaptando-se a novas personagens e a novas linguagens  – mas sempre com as mesmas piadas basilares.   
Do ponto de vista médico, o Riso é considerado saudável, pois liberta endorfina (uma proteína produzida no cérebro, que produz sensação de bem-estar), diminuindo a pressão arterial e aliviando a dor.
Se os dirigentes políticos tivessem mais senso de Humor, nunca haveria guerras. Infelizmente, como já se disse, poucos o têm. Por isso fazem e dizem coisas tão estúpidas. Assim, é de encarar muito a sério uma sugestão para a criação de uma cadeira de Humor nas Universidades de todo o Mundo, com frequência obrigatória para todos os Chefes de Estado, Ministros, dirigentes de Partidos, etc. Eles riem-se ao lerem isto, porque julgam que o Humor é uma coisa secundária, que podem dispensar, que não lhes faz falta. Alguns até julgam que o possuem...  Só quando um Humorista lhes revela, através de uma piada certeira ou de uma caricatura cruel, a verdadeira opinião que o Povo tem deles, é que reconhecem que o Humor é uma coisa muito, muito séria.
Os Estados não têm, normalmente, grande espírito. Mas o espírito tem estados. O Humor é um estado de espírito.
Ora bem, é difícil exercer o Humor sem criar uma porção de inimigos. Isto porque ninguém gosta de ser caricaturado  – em desenho ou por palavras, tanto faz. O chamado senso de Humor  é aquilo que todos nós dizemos que os outros não têm  – e não têm mesmo. O pior é que nós também o não temos  – quando são os outros a caricaturar-nos. Daí que muito pouca gente tenha o hábito de rir. Porque é muito chato ter problemas com os vizinhos.
Em Portugal, sempre fomos bastante macambúzios, mas, nos últimos tempos, estamos bastante pior. Justificamos a má cara com que andamos atribuindo-as à Política, à Economia, à Sociologia e a outras patranhas assim. Disparate! Se as pessoas se rissem mais dos Políticos, dos Economistas e dos Sociólogos, etc., talvez eles deixassem de se considerar tão importantes e chegassem a parecer-se vagamente com seres humanos normais.
Então, afinal, porque não há publicações de humor em Portugal?
As explicações são as do costume: o país é pequeno, as pessoas lêem pouco, os jornais e revistas de Humor constituem um tipo de negócio que não interessa, porque as tiragens são ridículas…
Esta palavra (“ridículas”) traz à memória de alguns leitores da meia-idade, ou de idade mais vetusta, o título de um jornal de Humor que foi dos mais marcantes entre os seus congéneres. Refiro-me a Os Ridículos, o bissemanário que foi fundado, em 1895, por Cruz Moreira (que assinava “Caracoles”) e teve depois cinco séries, a última das quais terminou, penosamente, em 1984, já quase sem leitores  – depois de ter sido uma publicação importante, até a nível político, com excelentes capas de Stuart Carvalhais e Natalino Melchíades, entre outros bons artistas nacionais.
Outro jornal de Humor que teve grande popularidade foi o Sempre Fixe, fundado em 1926 e que durou uns bons 35 anos, com reaparecimento pontual depois do 25 de Abril. As capas de Francisco Valença eram, muitas vezes, excelentes, com humor e crítica social  – e havia também a última página, assinada por Carlos Botelho, com o seu personagem Parecemal
Antes, houvera a época gloriosa de Rafael Bordalo Pinheiro, com a Lanterna Mágica (1875), onde apareceu, pela primeira vez, a figura do Zé Povinho  – e, depois, o António Maria (1879 a 1898) e A Paródia (1900 a 1907).
Tentando fazer uma lista dos outros jornais de Humor portugueses do século XX, encontrei os títulos que se seguem. A lista estará, provavelmente, incompleta, e deve haver mais títulos. Mas foram estes os que consegui achar. Vejamos:
A Bomba (1946 a 1947)  – Só durou 2 anos, mas marcou uma viragem no estilo do Humor nacional. Ere um semanário pobre no aspecto gráfico, mas de bom conteúdo. O Director era Mário Ceia e o Chefe de Redacção Mário de Meneses Santos. Neste jornal se estreariam, a escrever, Ruy Andrade e Manuel Puga, que ao acabarem as emissões radiofónicas que o jornal mantinha no Rádio Peninsular, viriam a criar os programas dos Parodiantes de Lisboa.
Riso Mundial (1947 a 1948)  – Era uma simples compilação de anedotas, sem grandes preocupações quanto ao aspecto e conteúdo.
O Mundo Ri (1954)  – Revistinha mensal de pequeno formato. Aqui comecei como colaborador, passando depois a Director. Quando abandonei o cargo, ficou como colaborador José Vilhena, que já publicara Branca de Neve e os 700 Anões e outros livros que tinham dado algum escândalo.
Cara Alegre (1951 a 1958)  – Dirigida por Nelson de Barros, com boas capas coloridas de Stuart, no seu 1º ano de publicação, e, depois, de José Viana, o actor e pintor.
O Picapau(1955)  – Semanário muito colorido, de que fui Director, tendo Stuart Carvalhais como Director Artístico. Durou sete curtas semanas, mas marcou um estilo e uma grande diferença em relação a todos os anteriores.
Parada da Paródia (1960 a 1962)  – Este semanário dos Parodiantes de Lisboa, do qual fui Director, chegou a ter tiragens de mais de 50 mil exemplares, o que era notável para a época. Publicou trabalhos do maior lote de ilustradores e cartoonistas jamais reunidos numa só publicação, em Portugal.  
A Mosca (anos 70)  – Era um suplemento do Diário de Lisboa, dirigido por Luís de Sttau Monteiro. Humor inteligente.
 Gaiola Aberta (1974)  – A revista do José Vilhena, na sequência de alguns livros que tinham dado escândalo e levaram o autor à cadeia, mais que uma vez. O Humor de Vilhena era contundente e, não raro, de mau gosto, mas muito corajoso e acutilante.
Bomba H (1963 a 1978)  – Durante cerca de 16 anos, saiu esta revista em forma de livrinho, coligindo milhares de textos e cartoons nacionais e internacionais. Fui seu Chefe de Redação.
Fala Barato (1978)  - novamente o José Vilhena a mudar de título, mas não de estilo.
O Moralista  – na continuação dos anteriores.
Depois do 25 de Abril, surgiram, em catadupa, muitas revistas e jornais de Humor, todos de existência efémera, numa autêntica “revolução humorística”. Eis alguns desses títulos:
Puflas (1974)  – Gustavo Fontoura e os seus “fotogozos”.
Pé de Cabra (1974)  – Imitação pobre do espanhol Hernano Lobo, teve vida curta.
O Macaco – Não chegou a sair. Pensado para ser um jornal semanal da empresa do Diário Popular, reuniu um lote de excelentes colaboradores, mas apenas foi impresso o Número Zero, com data de 29/11/1974. Não chegou a ser distribuído, pois foi boicotado pelos tipógrafos, que gostavam do jornal, mas desconfiavam da Administração e dos proprietários.
O Coiso (1975)  – Tinha como Chefe de Redação Mário-Henrique Leiria, o originalíssimo autor dos Contos do Gin Tónico. O nº 1 saiu a 7 de Março.
 Evaristo (1975)  – Projecto gráfico interessante, mas elitista. Durou pouco.
A Chucha (1975)  – Iniciativa de Helder Martins, que queria à viva força ter um jornal. Teve um nº 1  decepcionante , outros quase bons, e acabou mais por falta de organização interna  do que de bons colaboradores.
Chaimite (1976)  – Jornal político disfarçado de humorístico. Vida breve.
A Pantera (1976)  – Ideia original (papel cor de rosa) mas texto fraco.
A Pomba (1976)  – Número único, bons colaboradores, uma ideia romântica de Luís Lagriffa.
O Chato (1077)  – Dele não ficou memória.
O Cágado (1978)  – Os frustrados colaboradores de O Macaco tentaram um semanário que, como se viu, não era economicamente viável. Fui seu Director.
A Laracha (1980)  – Número único, sem história.
Pão Com Manteiga (1981)  – Revista que retomava o êxito de um programa da Rádio Comercial, feito por Carlos Cruz. O Director era José Duarte, o do jazz. Durou alguns meses.
O Olho (1983)  – Com um título destes, não admira que se tenha perdido de vista.
O Bisnau (1983)  – Mesmo sendo dirigido por Afonso Praça, não sobreviveu.
O Bocas (1983)  – Apenas saiu o nº 1.
Além destas publicações satíticas, devem mencionar-se algumas secções de Jornais, dedicadas a este tema. É o caso de:
Bocas (1975 a 1984)  – Por Magalhães dos Santos, no jornal O País, ilustrada por Zé Manel.
Trocas & Tretas  – Dos mesmos, no Correio da Manhã.
Tunfas!  – Ainda dos mesmos, no CM, de 1993 a 2002.
Tempiada (1983)  – Página inteira no jornal Tempo, textos que assinei  com ilustrações de Artur Correia. Aqui começou a ser publicado O País dos Cágados.
Actualmente, não existe nenhuma publicação de Humor em Portugal. Sim, há o Inimigo Público, mas não se trata de um jornal autónomo, que pudesse ter uma vida económica independente, se não vivesse à sombra do Público. Porque, doutra forma, já teria acabado há muito tempo, pelas razões explicadas: por um lado, não angariaria Publicidade que o sustentasse economicamente  – e, por outro, sendo independente, e acabando por, algum dia, ofender alguém, isso ser-lhe-ia fatal. 
Como é o humor nacional?
Existe um tipo de Humor característico da gente lusitana? Sim, existe. A tradição vem muito de trás, de Gil Vicente, com o seu linguajar vernáculo. E das cantigas de escárnio-e-mal-dizer. E dos antigos “robertos-de-feira”, cujas piadas eram sempre sublinhadas à traulitada. A nossa sátira baseia-se, historicamente, quase sempre, na piada pesadona, bruta, malcriada, perante a qual o Humor refinado é como uma picadinha de alfinete, em comparação com uma valente cacetada.
Não é, portanto, um Humor requintado e elegante, muito longe disso. E também aqui, como noutros capítulos da produção artística destinada ao grande público, este tem, como costuma dizer-se, aquilo que merece e de que gosta. Os Autores trabalham “em estilo grosso” para um público que não é fino.
Claro que há excepções, como sempre. Mas essas não passam disso mesmo: de excepções.
A justificação, que algumas pessoas (ainda) apresentam para este fenómeno, é que, durante muitos anos, a Censura impediu ferozmente tais picardias, não permitindo que o Respeitável Público fosse violentado por qualquer palavrão mais ousado, ou por qualquer ideia mais pràfrentex.
Assim, agora, os autores estariam a vingar-se dessa frustração, deitando cá para fora o que tinham atabafado dentro de si, ou cuidadosamente escondido numa gaveta secreta. A explicação não colhe. Onde é que já vai a Censura! Pelo menos a oficial…  Embora haja quem sinta que vingaram  outras mini-Censuras, e que sobeja a falta de coragem e de frontalidade.

Nota do Autor  –  Este texto, agora reformulado, com as alterações e actualizações necessárias, foi parcialmente publicado, em 2002, na Revista Meios, da AIND – Associação Portuguesa de Imprensa. Continua actual.

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