1. No lugar
de Cavaco, eu nomearia Governo a partir de um bando de passarões executivos
provindos da Unicer, da Mota Engil, do Grupo Lena e do (velho) Novo Banco.
Primeiro-ministro: Marinho e Pinto, talvez. Ou melhor: o Sérgio Sousa Pinto.
Das
duas primeiras corporações, dúvida nenhuma: o corrente ministro da Economia foi
todo superbockeiro-superrockeiro; e o
outro Coelho, que é Jorge, também sai da cartola a preceito, caiam as pontes
que caírem.
Das
restantes duas, a malta sabe muito bem o duplo motivo por que as nomeio: Etc.-Etc.
O
heterónimo santareno da Unicer é a Rical, ali à Quinta do Pinheiro, na Portela
das Padeiras. Coisa de centena e meia de trabalhadores vem para a rua depois das eleições. (Ponho em itálico o
“depois” por ser importantíssimo –
não foi antes, foi logo depois: a lealdade manhosa é uma
coisa muito bonita, Pires de Lima que o diga.) Vale que, hoje em dia, “vir para a rua” não é sinónimo de “despedimento” mas de “requalificação”. Ou de “inconseguimento”, como diz aquela
patusca que agora foi para aqui chamada não sei porquê. (Não sei mas sei.)
Todavia,
de repente (Tchárán!) e em
estilístico golpe-de-rins, passo a falar de mim mesmo:
2. Sobrevivi
a uma infância feliz – toda a gente importante era viva e de vez em quando
havia laranjada. Era só por festa, valha a verdade, mas existir era já de si e
por mim uma festa. De quando em vez, portanto, gaseifrutavam-me o palato marcas
deliciosas como a brisa no rosto à beira-rio: a Bussaco do Luso, a lousanense Serranita,
a leiriense Superfresco ao litro, a
rotunda Laranjina C da mafrense Venda
do Pinheiro e a modesta Rical, que
nos meus anos mais verdes eu não relacionava ainda com Santarém. As caricas de
todos estes vidros bocais serviam-me para fazer ciclistas movidos a mola de
dedo médio com o polegar a fazer de comutador de tiro. Não havia ainda Coca-Cola, havia só ditadura – e os
despedimentos colectivos não podiam ser notícia. Em democracia, felizmente, já
podem.
Entretanto,
e ao jeito de hemorragia indolor, esvaiu-se-me a infância.
3. Noutro
repente golpe-renal, a cerevisia
escancarou-me os portais da vida pós-menino. A Fábrica de Cervejas de Coimbra
era a escassas centenas de metros da minha porta. É hoje uma pilha de escombros.
Como o é, mesmo ali ao lado, a Triunfo das massas, bolachas e rações. E a
Estaco das louças sanitárias. E o Jaime Dias dos transportes internacionais
rodoviários: ruínas, ruínas, ruínas, ruínas. Da minha terra, a cerveja era A Cerveja. Aguava-a o Mondego. O melhor
cereal a encorpava. Marcas sublimes: a loira Topázio e a negra Ónix. Nota
importante – com a desaparição destes honrosos e bebíveis ex-libris da cidade de Coimbra, aderi à horda de mamões da SuperBock. A Outra (leia-se: a Sagres)
era mais quando não havia a Super.
Até ontem.
3. Até ontem – porque, em solidariedade
para com a ronda de centena e meia de pessoas desbaratadas da Rical/Unicer, vou
desBockar-me, se bem me entendeis.
Tenho pena, mas a ex(?)-patroa de Pires de Lima deveria tê-la também. Pena,
digo. Porquê? Porque eu, praticamente sozinho, e nos meus melhores anos,
constituí coisa de 8,3% do produto interno líquido (naturalmente líquido, meu bruto) da Unicer. Nestes já
muitos anos meus de glorios’eufórica espuma-dos-dias & de intensas noites
fermento-levedadas, a cervejola do Pires de Lima foi para comigo de uma fortuna
inexcedível. Foi a minha alta boazona de tipo nórdico. Foi o mote (à pressão
como à botelha) de muitas voltas em verso. Foi o antídoto da solidão
intermultitudinária. Foi o eco da minha mudez. Foi à grade e foi ao barril. Foi
com tremoços & amendoins e sem amendoins nem tremoços. Até à véspera de
hoje. Pelas consabidas e expostas razões minhas. Falo a sério, não duvideis.
Tão a sério, que me parece ser revisitante da maravilhosa mocidade perdida
minha. Eis-me, ó abençoados rins golpistas!, de novo infante.
De
Sagres.
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