Segundo um Humorista cujo nome se
perdeu no esquecimento, “Humor é uma faca sem lâmina, à qual falta o cabo”...
Isto quer dizer, entre outras coisas, que o Humor é algo muito difícil de
definir. Mas... interessará mesmo defini-lo? Será isso importante?...
Na verdade, mais importante do que
definir o Humor, é praticá-lo. O que não acontece com tanta frequência como
seria desejável. O Homem é o único animal que tem a capacidade de rir –
mas ri muito pouco. Talvez porque, embora possa rir, não deixa de ser um
animal.
Humor, do Latim humore, é
uma forma de divertimento e de comunicação humana, que faz com que as pessoas
se sintam felizes. As origens da palavra "Humor" vêm da medicina
humoral dos antigos Gregos, que trata de uma mistura de fluidos,
ou humores, que controlam a saúde e as emoções.
O Humor é uma revolta em que as
armas são o Riso, a Troça, o Escárnio, com as quais se faz o combate ao
Ridículo, à Imbecilidade e à Prepotência. É um combate um tanto desigual, pois
os Humoristas são muito menos numerosos que os seus adversários. Os
Prepotentes, os Imbecis e os Ridículos estão em ampla maioria e têm muita força
neste mundo. No entanto, os Humoristas constituem (segundo uma terminologia
muito na moda) uma Minoria Esclarecida, capaz de mobilizar as massas para o
combate a essas forças retrógradas.
É por isso que os Humoristas, como
todas as forças minoritárias, são geralmente mal vistos por quem manda. Porque
constituem um perigo para a sua estabilidade, para a sua imagem pública, para o
alto conceito que têm de si próprios.
Uma boa piada, no momento próprio,
pode derrotar o mais valente general.
Mas os Humoristas são
anti-violência. Não acreditam no uso da força. Os verdadeiros Humoristas só
acreditam na força do Humor para conseguir melhorar a vida. E crêem que Humor
com Humor se paga.
Para dar um toque erudito a esta
crónica, talvez valha a pena citar São Tomás de Aquino, que dizia (no século
XII): “Ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae” –
“O humor é necessário para a vida humana”, e ainda que o Humor
seria importante para as “forças do espírito”.
Claro que esta não era, nem foi,
durante séculos, a opinião da maioria das forças políticas, nem das forças
religiosas, que sempre acharam o Riso uma coisa perniciosa. Lembram-se do “Nome
da Rosa”? Umberto Eco conta-nos a história de uns livros que haviam sido
proibidos pelo Vaticano, por conterem um estudo de Aristóteles sobre o Riso.
Já foram feitos muitos estudos
académicos, sérios, sobre o Humor, nas suas variadas formas, que incluem a
Ironia, a Sátira, a Paródia, a simples Anedota. Até Sigmund Freud
escreveu uma obra intitulada “O chiste e a sua relação com o inconsciente”,
em que o pai da Psicanálise dividia as piadas em duas categorias básicas: as
“ingénuas”, que utilizam jogos de palavras, e as “tendenciosas”, que apresentam
um aspecto erótico ou preconceituoso. Nas primeiras, o Humor não estaria no
conteúdo, mas no trocadilho, enquanto nas segundas ele consistiria no gozo dos
estereótipos ou das diferenças.
Isto parece complicado? Com Freud,
tudo era complicado. Mas houve um Humorista português, que teve algum êxito em
meados do século XX, chamado Santos Fernando, que tinha uma definição
muito mais acessível. Dizia ele que “só existem vinte anedotas básicas
– e estão todas na Bíblia”. E explicava que as anedotas vivem,
sobretudo, de situações, umas insólitas, outras corriqueiras, mas sempre repetidas: a
situação de conflito entre o homem e a mulher; ou entre o marido, a mulher e a
maldita sogra; a situação do avarento (judeu, ou, em alternativa, escocês) que
não empresta dinheiro a ninguém; a situação de conflito entre o santo e o
pecador; e outras semelhantes, que vão sofrendo variações no decorrer dos
tempos, adaptando-se a novas personagens e a novas linguagens – mas
sempre com as mesmas piadas basilares.
Do ponto de vista médico, o Riso é
considerado saudável, pois liberta endorfina (uma proteína produzida no
cérebro, que produz sensação de bem-estar), diminuindo a pressão arterial e
aliviando a dor.
Se os dirigentes políticos
tivessem mais senso de Humor, nunca haveria guerras. Infelizmente, como já se
disse, poucos o têm. Por isso fazem e dizem coisas tão estúpidas. Assim, é de
encarar muito a sério uma sugestão para a criação de uma cadeira de Humor nas
Universidades de todo o Mundo, com frequência obrigatória para todos os Chefes
de Estado, Ministros, dirigentes de Partidos, etc. Eles riem-se ao lerem isto,
porque julgam que o Humor é uma coisa secundária, que podem dispensar, que não
lhes faz falta. Alguns até julgam que o possuem... Só quando um Humorista
lhes revela, através de uma piada certeira ou de uma caricatura cruel, a verdadeira
opinião que o Povo tem deles, é que reconhecem que o Humor é uma coisa muito,
muito séria.
Os Estados não têm, normalmente,
grande espírito. Mas o espírito tem estados. O Humor é um estado de espírito.
Ora bem, é difícil exercer o Humor
sem criar uma porção de inimigos. Isto porque ninguém gosta de ser caricaturado
– em desenho ou por palavras, tanto faz. O chamado senso de Humor é
aquilo que todos nós dizemos que os outros não têm – e não têm mesmo. O
pior é que nós também o não temos – quando são os outros a
caricaturar-nos. Daí que muito pouca gente tenha o hábito de rir. Porque é
muito chato ter problemas com os vizinhos.
Em Portugal, sempre fomos bastante
macambúzios, mas, nos últimos tempos, estamos bastante pior. Justificamos a má
cara com que andamos atribuindo-as à Política, à Economia, à Sociologia e a
outras patranhas assim. Disparate! Se as pessoas se rissem mais dos Políticos,
dos Economistas e dos Sociólogos, etc., talvez eles deixassem de se considerar
tão importantes e chegassem a parecer-se vagamente com seres humanos normais.
Então, afinal, porque não há
publicações de humor em Portugal?
As explicações são as do costume:
o país é pequeno, as pessoas lêem pouco, os jornais e revistas de Humor
constituem um tipo de negócio que não interessa, porque as tiragens são
ridículas…
Esta palavra (“ridículas”) traz à
memória de alguns leitores da meia-idade, ou de idade mais vetusta, o título de
um jornal de Humor que foi dos mais marcantes entre os seus congéneres.
Refiro-me a Os Ridículos, o bissemanário que foi fundado, em
1895, por Cruz Moreira (que assinava “Caracoles”) e teve depois cinco séries, a
última das quais terminou, penosamente, em 1984, já quase sem leitores –
depois de ter sido uma publicação importante, até a nível político, com
excelentes capas de Stuart Carvalhais e Natalino Melchíades, entre outros bons
artistas nacionais.
Outro jornal de Humor que teve
grande popularidade foi o Sempre Fixe, fundado em 1926 e que
durou uns bons 35 anos, com reaparecimento pontual depois do 25 de Abril. As
capas de Francisco Valença eram, muitas vezes, excelentes, com humor e crítica
social – e havia também a última página, assinada por Carlos Botelho, com
o seu personagem Parecemal…
Antes, houvera a época gloriosa de
Rafael Bordalo Pinheiro, com a Lanterna Mágica (1875),
onde apareceu, pela primeira vez, a figura do Zé Povinho – e, depois,
o António Maria (1879 a 1898) e A Paródia (1900
a 1907).
Tentando fazer uma lista dos
outros jornais de Humor portugueses do século XX, encontrei os títulos que se
seguem. A lista estará, provavelmente, incompleta, e deve haver mais títulos.
Mas foram estes os que consegui achar. Vejamos:
A Bomba (1946 a 1947) – Só
durou 2 anos, mas marcou uma viragem no estilo do Humor nacional. Ere um
semanário pobre no aspecto gráfico, mas de bom conteúdo. O Director era Mário
Ceia e o Chefe de Redacção Mário de Meneses Santos. Neste jornal se estreariam,
a escrever, Ruy Andrade e Manuel Puga, que ao acabarem as emissões radiofónicas
que o jornal mantinha no Rádio Peninsular, viriam a criar os programas dos
Parodiantes de Lisboa.
Riso Mundial (1947 a 1948) – Era
uma simples compilação de anedotas, sem grandes preocupações quanto ao aspecto
e conteúdo.
O Mundo Ri (1954) – Revistinha
mensal de pequeno formato. Aqui comecei como colaborador, passando depois a
Director. Quando abandonei o cargo, ficou como colaborador José Vilhena, que já
publicara Branca de Neve e os 700 Anões e outros livros que
tinham dado algum escândalo.
Cara Alegre (1951 a 1958) –
Dirigida por Nelson de Barros, com boas capas coloridas de Stuart, no seu 1º
ano de publicação, e, depois, de José Viana, o actor e pintor.
O Picapau(1955) – Semanário
muito colorido, de que fui Director, tendo Stuart Carvalhais como Director
Artístico. Durou sete curtas semanas, mas marcou um estilo e uma grande
diferença em relação a todos os anteriores.
Parada da Paródia (1960 a 1962) – Este
semanário dos Parodiantes de Lisboa, do qual fui Director, chegou a ter
tiragens de mais de 50 mil exemplares, o que era notável para a época. Publicou
trabalhos do maior lote de ilustradores e cartoonistas jamais reunidos numa só
publicação, em Portugal.
A Mosca (anos 70) – Era um
suplemento do Diário de Lisboa, dirigido por Luís de Sttau
Monteiro. Humor inteligente.
Gaiola Aberta (1974)
– A revista do José Vilhena, na sequência de alguns livros que tinham
dado escândalo e levaram o autor à cadeia, mais que uma vez. O Humor de Vilhena
era contundente e, não raro, de mau gosto, mas muito corajoso e acutilante.
Bomba H (1963 a 1978) –
Durante cerca de 16 anos, saiu esta revista em forma de livrinho, coligindo
milhares de textos e cartoons nacionais e internacionais. Fui seu Chefe de
Redação.
Fala Barato (1978) - novamente o
José Vilhena a mudar de título, mas não de estilo.
O Moralista – na continuação dos
anteriores.
Depois do 25 de Abril, surgiram,
em catadupa, muitas revistas e jornais de Humor, todos de existência efémera,
numa autêntica “revolução humorística”. Eis alguns desses títulos:
Puflas (1974) – Gustavo
Fontoura e os seus “fotogozos”.
Pé de Cabra (1974) – Imitação
pobre do espanhol Hernano Lobo, teve vida curta.
O Macaco – Não chegou a sair. Pensado para
ser um jornal semanal da empresa do Diário Popular, reuniu um lote
de excelentes colaboradores, mas apenas foi impresso o Número Zero, com data de
29/11/1974. Não chegou a ser distribuído, pois foi boicotado pelos tipógrafos,
que gostavam do jornal, mas desconfiavam da Administração e dos proprietários.
O Coiso (1975) – Tinha como
Chefe de Redação Mário-Henrique Leiria, o originalíssimo autor dos Contos
do Gin Tónico. O nº 1 saiu a 7 de Março.
Evaristo (1975) – Projecto
gráfico interessante, mas elitista. Durou pouco.
A Chucha (1975) – Iniciativa de
Helder Martins, que queria à viva força ter um jornal. Teve um nº 1
decepcionante , outros quase bons, e acabou mais por falta de organização
interna do que de bons colaboradores.
Chaimite (1976) – Jornal
político disfarçado de humorístico. Vida breve.
A Pantera (1976) – Ideia
original (papel cor de rosa) mas texto fraco.
A Pomba (1976) – Número único,
bons colaboradores, uma ideia romântica de Luís Lagriffa.
O Chato (1077) – Dele não
ficou memória.
O Cágado (1978) – Os frustrados
colaboradores de O Macaco tentaram um semanário que, como se
viu, não era economicamente viável. Fui seu Director.
A Laracha (1980) – Número único,
sem história.
Pão Com Manteiga (1981) – Revista que
retomava o êxito de um programa da Rádio Comercial, feito por Carlos Cruz. O
Director era José Duarte, o do jazz. Durou alguns meses.
O Olho (1983) – Com um título
destes, não admira que se tenha perdido de vista.
O Bisnau (1983) – Mesmo sendo
dirigido por Afonso Praça, não sobreviveu.
O Bocas (1983) – Apenas saiu o
nº 1.
Além destas publicações satíticas,
devem mencionar-se algumas secções de Jornais, dedicadas a este tema. É o caso
de:
Bocas (1975 a 1984) – Por
Magalhães dos Santos, no jornal O País, ilustrada por Zé Manel.
Trocas & Tretas – Dos mesmos, no Correio
da Manhã.
Tunfas! – Ainda dos mesmos,
no CM, de 1993 a 2002.
Tempiada (1983) – Página
inteira no jornal Tempo, textos que assinei com ilustrações
de Artur Correia. Aqui começou a ser publicado O País dos Cágados.
Actualmente, não existe nenhuma
publicação de Humor em Portugal. Sim, há o Inimigo Público, mas não
se trata de um jornal autónomo, que pudesse ter uma vida económica
independente, se não vivesse à sombra do Público. Porque, doutra
forma, já teria acabado há muito tempo, pelas razões explicadas: por um lado,
não angariaria Publicidade que o sustentasse economicamente – e, por
outro, sendo independente, e acabando por, algum dia, ofender alguém, isso
ser-lhe-ia fatal.
Como é o humor nacional?
Existe um tipo de Humor
característico da gente lusitana? Sim, existe. A tradição vem muito de trás, de
Gil Vicente, com o seu linguajar vernáculo. E das cantigas de
escárnio-e-mal-dizer. E dos antigos “robertos-de-feira”, cujas piadas eram
sempre sublinhadas à traulitada. A nossa sátira baseia-se, historicamente,
quase sempre, na piada pesadona, bruta, malcriada, perante a qual o Humor
refinado é como uma picadinha de alfinete, em comparação com uma valente
cacetada.
Não é, portanto, um Humor
requintado e elegante, muito longe disso. E também aqui, como noutros capítulos
da produção artística destinada ao grande público, este tem, como costuma
dizer-se, aquilo que merece e de que gosta. Os Autores trabalham “em estilo
grosso” para um público que não é fino.
Claro que há excepções, como
sempre. Mas essas não passam disso mesmo: de excepções.
A justificação, que algumas
pessoas (ainda) apresentam para este fenómeno, é que, durante muitos anos, a
Censura impediu ferozmente tais picardias, não permitindo que o Respeitável
Público fosse violentado por qualquer palavrão mais ousado, ou por qualquer
ideia mais pràfrentex.
Assim, agora, os autores estariam
a vingar-se dessa frustração, deitando cá para fora o que tinham atabafado
dentro de si, ou cuidadosamente escondido numa gaveta secreta. A explicação não
colhe. Onde é que já vai a Censura! Pelo menos a oficial… Embora haja
quem sinta que vingaram outras mini-Censuras, e que sobeja a
falta de coragem e de frontalidade.
Nota do Autor – Este
texto, agora reformulado, com as alterações e actualizações necessárias, foi parcialmente
publicado, em 2002, na Revista Meios, da AIND – Associação Portuguesa de
Imprensa. Continua actual.