Morreu Helder, viva Herberto (1930-2015)
1
Nas
fêmeas envelhecidas revejo a minha extinta Mãe.
Como
Francisco de Assis, amantes todas de animais – do animal da Morte sobretudo.
2
Consta
que o mais veloz ser do mundo é o falcão-peregrino. Em voo-picado, já 400 km/h
lhe cronometraram. Pobre equívoco de ornitólogos e velocistas: nem maior
velocidade nem mais brusco voo há que o da humana vida.
3
Leitor,
és ledor: vedor de águas subterrâneas. Ou de freáticos sentidos ocultos. De bífido
ramúsculo de oliveira nas mãos, busca o aquático veio da tua vida. Não está nos
livros. Ou estará?
4
Em
menino, breve rapaz.
Homem
feito, grave rapace.
5
1930-2015:
duas datas podem sumir, podem consumar, podem consumir – mas resumir, não podem.
6
Morre
o homem, a Poesia dele fica: retumbante vitória fora de casa. Isto é e seja:
fora do corpo. Finalmente. Final mente.
7
Não
mais passos em volta. Não mais a cabeça entre as mãos. Nem depois da morte, como lho relembrou Ruy
Belo. O futuro ganhou o direito a ser todo antes.
8
Bares
anoitecidos como cerveja preta, marinheiros em terra esclarecendo a cálices de
genebra a manhã enregelante. Placentas sem uso e preservativos por usar
atirados ao lixo do amor-de-aluguer. O peixe vermelho-amarelo-preto. Nenhum Pã
e nenhuma flauta. Camões a morrer de fome, Pessoa de sede, Herberto por estar
na hora. Toda a gente com o seu empregozinho a ir-vir-ar-e-tornar de uma
Cacilhas sem Ameríndias à gávea. Mas a Poesia na mesma. Mas a inelutabilidade
dela.
9
Morreu
o corpo-Helder: cinza reiterada. Persi’xiste o escriba-Herberto: glorioso
maluco, sigilosa máquina voadora (falcão-peregrino, mãe de si mesmo). Não
concedia entrevistas. Vistas, sim: todas. Interiores todas.
10
Todos
seremos, um dia, uma sombra numa frase de alguém a nosso respeito. Ele, HH,
não. Ele, uma luz sim. Vêde vós essas assisfranciscanas senhoras tão
envelhecidamente amáveis para com os animais. Cabeça entre mães.
E
Herberto de volta.
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