O
meu País já ontem era tarde. E amanhã não será cedo.
Outras
formas haveria de dizer isto – mas não as quero. Quero dizê-las assim. E digo.
Nestes
mais recentes dias, desavim-me comigo mesmo um pouco mais do que de costume.
Pus-me por aí dias a fio sem meta nem retorno, a pé e com a mesma roupa.
Calcorreei vastidões que só com muita generosidade podereis imaginar. Um trecho
do desconsolado périplo foi rente à minha terra original. De novo me tomaram os
olhos as mastodônticas estruturas industriais em ruínas. Abandonadas pela
cobiça e pelo anti-humanismo de meia-dúzia de yuppies criminosos, são hoje carcaças grotescas que espelham sem
ilusões o avesso do progresso. Sei de cor as famílias completas que nelas
labutaram para comer. Hoje, sei de cor os desempregados sem idade para sonhar
com mais nada, os reformados da uva-mijona, os novos que por aqui não ficam.
A
TV, todavia, continua a ladrar mentiras felizes. Há carnavais por todo o lado e
por todo o ano. A populaça gosta que lhe façam o serviço pelas costas, na
condição de um bocadito de vaselina primeiro. A anemia dos sistemas de ensino,
de saúde e de justiça terceiromundiza-nos a todos, mas nem todos ligamos muito
à evidência. As autarquias promovem festarolas de sopas e de espinhaços de
bacalhau com aquela presunção de fartura geral que é rasca e que é estúpida e
que é mentirosa e que não vale uma buzinadela tripeira das mais sonoras. Aparecem
senhoras lambuzadas de banhas lustrais a dizer coisas vãs e flatulentas como
ouviram dizer nos programas pimbas da manhã e da tarde e da noite e amanhã o
mesmo. Aparecem autarcazitas burros como testos a apregoar moralidades de
papelão que eles são os primeiros a não seguir. Professorazitas que não lêem.
Jornalistazitos que nem informam nem se informam. Condutores sem o mínimo
lampejo de civismo ensanguentando as estradas na maior impunidade e na maior
inconsequência. Casamentos e mancebias que, desfeitos, resultam como se por
lógica simples em mortandades de faca e caçadeira. Os raios do Diabo, enfim,
numa terriola de procissões raquíticas e de santos do caruncho.
Sinto
que a crónica me está a sair azeda. Falemos de andorinhas. Ontem vi algumas.
Apesar de tudo, apesar do País, das bestas da economia, dos avatares de tanta
merdice, o céu deu-me andorinhas. Não eram muitas, mas para mim chegaram como
mais do que suficientes. Contra o firmamento, que então era da cor da
folha-de-flandres, traçavam elipses molhadas de tinta-da-china. Rápidas,
diligentes, bailarinas, como se ébrias. Foram a minha recompensa e foram a
minha alegria por alguns minutos. Sabia que acabaria por escrevê-las, como sei
que um dia tudo se nos acaba, a começar pela tristeza e pelo se calhar mau
hábito de andar por aí a estrangeirar o coração.
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