Todos os dias os vejo: aos
homens de já descriada idade atulhando de publicidade não endereçada as bocas
de correio dos prédios. Não puderam e/ou não quiseram salvaguardar-se da
penúria. No outono da idade, dão de si & por si propagando prospectos de “mestres” africanos, de “massagistas” brasileiras e de afins
subprodutos, ou escombros, ou despojos, ou escórias, do alegado “Império Português”. Os ociosos de
esplanada como eu são por eles mirados à sorrelfa, ciosos dos cigarros fáceis
que fumamos e dos cafés perfumados de aguardente com que ilusoriamente adoçamos
o desbaratar da (nossa, do lado de cá) vida.
Aos domingos, no
entanto, em vez de a eles, assisto às parelhas de mulheres de já descriada
idade que, munidas elas também de prospecta literatura que ninguém pediu nem
quer, teimam em jeovandar caducos evangelismos sem ortografia nem esperança por
essas campainhas insones.
Os prédios são os
mesmos. O resultado, também.
Em verdade V. digo que
me sinto companheiro, tão destas como daqueles, em má fortuna & pior
ventura. Há anos que também eu ando neste negócio (aliás crónico) das mèzinhas
contra o particular mau-olhado, o pé-chato da inveja, a psoríase da alma, a
amarração infiel & a despolítica geral. Sim, também eu violo, no caso dos
assinantes do Jornal, as frinchas virginais das caixas postais.
No gasto da tinta,
esvai-se-me a mocidade física, que revérbero foi já noutros lustros e em
lustres outros. Na usura do papel, descriou-se-me, a mim também, a sacanita da
idade, sedimentando-se-me no palato o salitre equívoco de tanta oportunidade
perdida.
Ao espelho, todavia,
isso Vo-lo garanto também e com alguma soberba até, ainda faço, de quando em
vez, as pazes mansas comigo, mercê da seguinte síntese zoológico-geométrica: besta-quadrada
que ao menos de si mesma ri, com gosto quase até. E só não me dou de fuças como
pedaço-de-asno por deveras ser o asno completo.
Não me inscrevi –
prescrevi.
Não tirei cartão – nem o
passei a ninguém.
Não creio em Deus – nem
Ele em mim,
Não fui a tempo – mas o
Tempo veio-me.
Está certo assim. A
pessoa é, de si, o preço que por si mesma paga, ainda que o não valha.
A sequência é a
consequência.
O remédio, porventura,
estaria em nascermos todos com a idade daqueles homens e daquelas mulheres que,
uns, nos dias úteis entopem as caixas de correio, e que, outras, ensurdecem as
campainhas doménico-matinais. Nascermos já madurotes e, desse ponto aí então,
rejuvenescermos à força toda de cada dia anversamente revertido, decrescendo em
altura atlética e em sombra cismática.
Até que mais nos não
pudessem pedir do que fôssemos, apenas, brincar – coisa que, aliás, não
parecemos ter senão feito a vida toda, a julgar pela caixa do correio.
Sem comentários:
Enviar um comentário