terça-feira, 6 de novembro de 2012

Rosário Breve - Pode ser que saia – Crónica de Daniel Abrunheiro

Nos antigamentes da “Outra Senhora” era naturalmente à boca-pequena que se murmurava um chiste anti-salazarista de largo espectro de acção perfurante. Tratava-se de determinar com exactidão qual era, de facto e deveras, o número de saias com acesso ao gabinete privadíssimo do ditador. Ao contrário da boa prática tão própria dos mais exímios contadores de anedotas, começo pelo fim, esclarecendo desde já o enigma. Eram sete, as tais saias. Contai-as comigo.
A da D. Maria, criada de e para todo o serviço. Uma.
A do Cerejeira, cardeal-patriarca do regime tão mais católico quão menos cristão. Duas.
O doutor Bissaya Barreto, influente e reservado confidente da tenebrosa aventesma, conta sozinho por mais duas (bi+saia). Vamos, portanto, em quatro.
E as outras três?
As outras três eram todas, e só, do Povo. Do Povo, sim, posto que quando, por absurdo, distracção ou milagre, o Povo lograva penetrar no tugúrio oficial do Salazar, este, histérico de repugnância e eriçado de nojo à vista da comum gente, apalitava-se logo nas aracnídeas canelas e guinchava: “Saia! Saia! Saia!”
Eis que assim temos, pois, as tais sete saias bem contadinhas: se não pela anémica narração minha, ao menos por exacta e pragmática aritmética.
Pronto, esta já está. Já está mas ainda me sobram papel que encher e tinta com que o fazer. É com contada e contida liberalidade que proverei ao devido número de caracteres, para satisfação e alívio do departamento gráfico deste jornal que dá riba ao Tejo e voz com rosto ao largo Vale. De saias, passo a ruas. Tome-se nota: não estou a dizer que é meu travestido costume passar de saia pela rua. Chiça, não. Do tema das saias passo ao tema da toponímia arterial urbana. Isso. Vamos lá então.
Sempre gostei muito dos nomes das terras portuguesas. Tenho até um caderno exclusivo para anotar os baptismos da nossa geografia. Dos nomes das terras e dos nomes das ruas dessas terras. Foi por causa disso que me lembrei de escrever às câmaras e às juntas de freguesia (enquanto elas existem) no sentido de me oferecer como padrinho de vielas, de becos, de pátios, de travessas, de arcos, do que for. Não peço avenidas, nem praças, nem grandes passeios como aquele das Águas de Santarém à Coreia do Sul que ninguém sabe para quê mas toda a gente conhece por quem. Mas adiante, que hoje tenho a pólvora molhada. Exemplo: a rua daquela escola primária que fechou. Proponho que deixe de ser banalmente chamada Rua da Escola. Em lugar disso, que seja Rua Miguel Relvas, por motivos carecas do conhecimento geral. (Estão a ver como sou bom nisto padrinho de vielas?) Outro exemplo: a rua onde em Santarém pernoitava, quando alegadamente edil, o senhor Moita Flores. Não sei como ela se chama, mas sei como deveria passar a chamar-se: Rua D. Sebastião. Estão a ver a ideia? Uma campanha esquizóide e algo pulha contra o mouro vadio, uma cortina de nevoeiro e já está: nunca mais ninguém o viu, nem espera voltar a vê-lo.
Termino em apoteótica trindade. Isto é: com três ruas. Duas condições: a) todas as terras do Ribatejo as comungarem e b) o uso da vírgula. A vírgula no nome dessas três ruas é fulcral, como vereis. A figura tutelar que invoco para o triplo baptismo é não mais nem menos do que Pedro Passos Coelho. E todas as ribatejanas localidades, para bom exemplo das portuguesas restantes, passariam a exibir uma tríade de artérias cuja nomeação valeria a triplicar. Desta maneira:
Rua, Pedro
Rua, Passos
Rua, Coelho
!!!

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