Geralmente considerado um dos mais talentosos ilustradores portugueses, a
sua arte manifestou-se sob várias facetas, desde as Capas e as Ilustrações de Livros
à Banda Desenhada, aos Cartazes, ao Cartoon, à Caricatura e, até, ao Vitral. E
será, provavelmente, essa dispersão por tantos meios de expressão da sua Arte
que fez com que demorasse algum tempo, antes de ser tão conhecido do grande público,
e de ter a projecção mediática que o seu enorme talento merece. Quando apareceu,
mostrando a sua arte como ilustrador, o que mais atraía era a forma espectacular
como desenhava belas garotas, cheias de charme e de sensualidade. E essa faceta
nunca deixou de ser uma das imagens de marca deste excelentíssimo Desenhador.
Peço
licença para apresentá-lo na primeira pessoa do singular – porque o acompanhei,
praticamente, desde o seu início, e porque verdadeiramente singular era já o
talento do Zé Manel, quando apareceu, tinha então uns 17 anos, na redacção do
semanário “Parada da Paródia”, que eu
então dirigia (estávamos em 1961), levando consigo alguns desenhos, entre os
quais uma ilustração que vinha mesmo a calhar para acompanhar o texto de um
disco, acabado então de publicar, de uns apelidados “Jograis de Lisboa”. A ilustração e o texto do disco ajustavam-se
perfeitamente. Publicou-se esta primeira ilustração – e publicaram-se depois,
nos números seguintes, muitos -- mesmo muitos! -- mais cartoons, ilustrações, bonecos
diversos (sobretudo, “bonecas”…) que eram testemunhos muito expressivos de um
talento fora do comum. Quisemos saber quem era aquele jovem talentoso. E assim fomos
conhecendo mais aspectos da vida deste José Manuel Domingues Alves Mendes, que
assinava Zé Manel, ou, mais
simplesmente, ZM. Que tinha nascido
em Lisboa, em Janeiro de 1944. Que fizera o curso de desenhador-litógrafo na
mítica “António Arroio”. Que era filho de outro Artista, já desaparecido, que
assinava “Meco” e trabalhara em
várias revistas e jornais. Tinha visto a sua fotografia publicada no “Pim-Pam-Pum”, quando tinha 5 anos de
idade. O “Século Ilustrado”
mostrara alguns dos seus primeiros desenhos, aos seis anos, acompanhados de
fotografia e reportagem biográfica. Em 1959, tinha publicado as primeiras
anedotas em “Os Ridículos”.
Soubemos ainda que vivia, nesse tempo, com a mãe, na Rua Augusto Gil
(onde continuou a viver, depois com a mulher e um dos seus dois filhos, pois a
mãe já morreu há muitos anos, depois de ter perdido a vista na fase final da
sua vida). Que era por causa de uns problemas visuais importantes -- coisa de
família -- que ele usava óculos com lentes muito grossas (e continuou a usar,
pois os problemas visuais seriam crónicos e hereditários)…
E (pormenor
pitoresco) que tinha uma verdadeira fobia, um quase terror, perante tudo o que
se refere a… impostos!... Nada de ouvir falar de Finanças, declarações de rendimentos,
taxas, IVA, IRS, sem ficar completamente transtornado!... Era mais forte do que
ele. Por isso, quando combinava a verba que havia de receber por qualquer
trabalho, a primeira coisa que fazia era puxar mentalmente da calculadora e
avaliar quanto é que lhe ia ser descontado em impostos!... Sempre foi assim,
desde muito moço – e assim continuou a ser, por mais que os amigos argumentassem,
tranquilizando-o e dizendo-lhe que não valia a pena andar angustiado com tal
assunto… Era irremediável: sofria mais com esse aspecto do seu trabalho do que
com o trabalho propriamente dito, por mais difícil e complexo que este fosse…
Mas, pondo de lado esta espécie de mania e estes episódios,
meio pitorescos, que o traumatizavam, o que é certo é que o seu trabalho é
excelente – e mesmo, frequentemente, genial! Embora a sua popularidade se tenha
firmado através, sobretudo, dos cartoons e das ilustrações ligeiras, de um
Humor com certo cunho erótico, as ilustrações para livros (particularmente
Livros Escolares) são, geralmente, de altíssima qualidade e podem ser
comparadas com o que há de melhor, a nível mundial, nesse campo. Podemos,
assim, destacar dois aspectos principais da sua Arte: aquele em que dá largas à
imaginação e à voluptuosidade que transmite aos seus desenhos, sobretudo às
figuras femininas – e a capacidade extraordinária para ilustrar obras tão
importantes como uma “Seara de Vento”,
de Manuel da Fonseca, ou “Os Maias”,
de Eça de Queiroz, com estilos diferentes, mas a mesma Arte verdadeiramente
genial.
A
isto, há a juntar a arte do Vitral, que começou a praticar, muito novo, no
ateliê de um tio, mestre dessa modalidade artística, e com o qual executou
trabalhos verdadeiramente notáveis, para igrejas e para residências
particulares.
O Zé
Manel, no seu período de vida militar, trabalhou muito para o “Jornal do Exército”, com páginas que –
como se dizia então – serviam para elevar o moral das tropas destacadas para
combater nas Colónias de África... E trabalhou depois com o autor deste texto,
em, praticamente, todos os trabalhos gráficos que este fez, depois da “Parada da Paródia”. Assim, ilustrou uma apreciadíssima
página de Humor, durante cerca de 20 anos (!), no “Magazine Regisconta”. Fez muitas capas e muitos bonecos para a “Bomba H” (1963 a 1978), para “A Chucha” (1975) e para “O Cágado” (1978).
Mostrou amplamente a sua veia humorística na revista “Rádio
& Televisão” e em “O Emigrante”. Ilustrou os livros “Manual da
Má-Língua” (publicado antes do 25 de Abril, e devidamente apreendido pela Censura),
e “Os Salazarentos”, que saiu em
1975, além dos 4 álbuns das “Histórias do
Renato, um Menino muito Chato”.
O
livro “Como era antes de haver” saiu
em 2008, foi adoptado pelo Plano Nacional de Leitura, e, no mesmo ano, ilustrou
“Os Maias – Uma Análise ilustrada” e
“História e Histórias de Santiago do
Cacém” (que teria nova edição, com novas ilustrações, cinco anos depois).
Finalmente, em 2013, as suas ilustrações para o livro “Manuel da Fonseca e a Sua Gente” foram muito elogiadas. Como se vê,
um volume de trabalho notável, aqui apenas resumido, e todo ele com a habitual
qualidade que se tornou sua imagem de marca.
Não
pode, todavia, deixar de destacar-se a verdadeira orgia gráfica que deixou
espalhada pela obra “Macau a Tinta da
China”, um livro verdadeiramente impressionante, com textos de Dinis de
Abreu, encomendado pelo Governo de Macau, à época da transferência daquele
território para a China. É um dos álbuns mais geniais na história da Ilustração
Gráfica Portuguesa
Na
sua longa vida profissional, o Zé Manel colaborou numa imensa lista de jornais,
revistas e outros tipos de publicações – como desenhador de Histórias em
Quadradinhos, ou ilustrador de contos infantis – e numa enorme série de livros
didáticos. Na verdade, a lista das suas realizações no campo gráfico é
impressionante. Trabalhou longamente no “Diário
de Notícias”, no “País” (aqui
deixou uma notável série de 36 caricaturas de políticos, absolutamente
extraordinárias), além do “Fungágá da
Bicharada”, “O Brincalhão”, “Pisca-Pisca”, “Pão com Manteiga”, e muitíssimas outras publicações.,
Esteve presente em todos os Festivais Internacionais de
Banda Desenhada da Amadora, tendo aí sido distinguido com o “Prémio de Honra”. Uma bela exposição dos
seus trabalhos, sob o tema “Eros uma
vez…o Humorista Zé Manel” deu origem a um catálogo (feito por Osvaldo
Macedo de Sousa para o MouraBD) que é um repositório do aspecto mais sensual da
sua obra.
Mas também outras publicações (cita-se apenas, como
exemplo, “In Politiquices”, com cartoons
e ilustrações sobre a Política nacional) mostram a versatilidade do seu
talento.
Está
representado em inúmeras colecções particulares e também, por exemplo, no Museu Sammlung Karikaturen & Cartoon, de Basel, na Suíça.
Alguns dos seus projectos interessantes ficaram por
realizar, muitas vezes por falta de coragem das Editoras – mas é curioso
verificar como, nestes casos, o Zé Manel, ao saber da não-concretização de um
projecto, tinha uma reacção típica: - Ainda
bem, é menos um imposto que teria de pagar no ano que vem…
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