1.
“Lamento
ter nascido.”;
“Gostei muito de ter nascido.” A
primeira frase é do ensimesmado poeta António Ramos Rosa. A segunda, do feliz
& polivalente fazedor de campeões Moniz Pereira. Constam ambas de um livro
intitulado O que a Vida me Ensinou. A
obra compreende 34 depoimentos (23 homens, onze mulheres) de notórias figuras
da nossa intelectualidade contemporânea coligidos pelo jornalista Valdemar Cruz
para o semanário Expresso entre 2002
e 2005. A edição livresca aconteceu em Março de 2007, sob a chancela editorial
da Temas e Debates. À data do livro,
três dos entrevistados haviam morrido já. No entretanto destes nove anos &
sete meses, muitos deles partiram já também. Todos tinham não menos do que 70
anos quando o jornalista com eles se encontrou.
A leitura enriqueceu-me. É
um trabalho limpo, que vivamente recomendo a todos quantos dispensam à
livralhada uma atenção & uma intenção que só proveitosas podem ser.
Sublinhei muito, gastei todo um lápis. Adriano Moreira patenteou sem esforço a
sua clara, incontornável sageza. O excesso pró-aforístico de Agustina não me
aborreceu tanto, não desta vez. Siza Vieira, todo elegância. O sobredito Ramos
Rosa pareceu-me o que o labor poético dele me parece: cansado & cansativo.
Gostei muito do auto-retrato vital da fadista Argentina Santos. Eduardo
Lourenço é um monumento. O investigador Fernando Catarino deu-me ideia de areia
a menos para a camioneta exibida. Fernando Lanhas, giro, patusco, sábio. M.ª
Helena da Rocha Pereira, maravilhosa. Manoel de Oliveira, banal &
sobrevalorizado. D. Manuel Martins, vero filantropo & alma boa. Maria Keil
do Amaral angustiou-me. Nella Maissa, prodigiosa. Óscar Lopes, outro monumento.
Margarida Tengarrinha, humaníssima & exemplar. Sequeira Costa, profundo,
grave, ortoépio. O industrial José Manuel de Mello, absolutamente execrável.
Completam o rol: Anthimio de Azevedo, Borges Coelho, Eunice Muñoz, Fernando
Távora, Galopim de Carvalho, Glicínia Quartim, Helena Sá e Costa, José Pinto da
Costa, José Saramago, Júlio Pomar, Júlio Resende, Luísa Dacosta, M.ª de Lourdes
Levy, Nuno Grande, Ruy de Carvalho e Vítor Crespo. Da minha leitura, mais por
ora não digo. Diga-me da sua o Leitor, se caso disso for.
2.
Outra
proveitosa leitura que fiz por estes dias: Intelectuais
Portugueses na Primeira Metade de Oitocentos (de M.ª de Lourdes Costa Lima
dos Santos para a Editorial Presença,
Lx., 1988). É tese de doutoramento muitíssimo bem lavrada. A poucas páginas do
fim, aprendi que foi fundada em Abrantes, no remo(r)to ano de 1802, uma tal Sociedade Literária Tubuciana. Era dela
figura-de-proa um Rodrigo da Silva Bivar, “Inspector
da Plantação das Amoreiras e Director da Fiação da Seda”. A doutoranda
Autora remete o interessado (em a nota remissivo-bibliográfica n.º 11, pp. 325)
para uma monografia de há 40 anos – A Academia
Tubuciana e os seus Membros, de Luís Bivar Guerra, in Anais da Academia Portuguesa de História, Lx., 1976. A abrantina
agremiação de nome esquisito não esgotava o intuito pragmático na amoreira e no
bicho-da-seda. Não. Leia-se: “(…) os seus
objectivos eram mais vastos, visando concorrer para a felicidade da Nação
através dos trabalhos dos seus membros nos campos mais variados (nos Programas
da Tubuciana para 1803 e 1804 os assuntos propostos para apresentar
comunicações abarcavam os domínios da História, da Literatura, do Direito, da
Economia Política e da Agricultura).”
Mais:
a Tubuciana não queria saber de não ser na Capital que tinha a sede. Pelo
contrário, chateava Lisboa sempre que tinha por bem chateá-la. Exemplo:
faltando “provimento de professores de
primeiras-letras e de latim em Abrantes”, Diogo Bivar (filho e sucessor de Rodrigo) foi de mandar “uma representação ao Governo, censurando a
Junta da Directoria Geral dos Estudos”. Lisboa ainda refilou, dando ordem
ao juiz-de-fora de Abrantes (que até presidia à Tubuciana…) no sentido de “repreender severamente a ousadia com que na
representação tinham sido caluniadas as diligências públicas da Junta” –
mas o certo é que, “logo depois”,
houve mando de “abrir concurso para que
as cadeiras de latim e de primeiras-letras fossem providas de professores
seculares com os devidos ordenados”.
3. Que aprendi eu, pois &
assim? Aprendi que nem a Vida nem Abrantes me parecem ser já o que eram dantes.
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