quarta-feira, 18 de maio de 2016

dfia 18 de Maio pelas 18 h com Bordalo à nesa no Museu Bordalo Pinheiro em Lisboa - Dia Internacional dos Museus

Com Maria de Lourdes Modesto, João Paulo Martins e Hugo nascimento

Rosário Breve Duas Suíças ou menos por Daniel Abrunheiro

1 Tenta viver como se fosse manhã.
Isto é Nietzsche lido por Bloom (H.). Parece-me boa injunção. Não é fácil: a noite figurada parece invencível as mais vezes. Não é fácil – mas é possível. E se é possível, está ao alcance.
Em caleidoscópio, as imagens do mundo concorrem-nos sem cessação. A atenção dispersa-se ao sabor (quantas vezes amargo) dos estímulos. A honestidade existe, mas não campeia. O banditismo parece integrar a essência humana. Os valores tidos por essenciais (direito à vida, ao trabalho, à saúde, à honra, à paz) podem ser e são escamoteados a pretexto de fantasmas obstinados: a superstição, a ganância, a ignorância, o preconceito, a dominação.
A veracidade evidente destas constantes é avessa à tal manhã existencial. Mas é possível combatê-la – antes que se faça tarde.
2 Na exígua paróquia do Universo chamada Portugal, os últimos tempos voltaram a ser fustigados pela euforia bêbeda da bola. Pelas redes sociais, umas (poucas) almas ainda verberaram tanta barulheira gráfica. Tipo assim: “Ah Portugueses dum caraças, se o desemprego, a saúde, a justiça e a austeridade forçada vos fizessem cerrar sempre fileiras combativas assim, seríamos para aí duas Suíças”. Mais ou menos isto. O espírito era este, se não o texto. Mas – quê? Rui Jorge Vitória Jesus, Jonas Fisgas Slimani Pistolas etc. etc. etc. etc.
3 Nos entrementes, há quem queira (e o queira muito) intoxicar a opinião pública com a antinomia Escola Pública – Colégios Particulares/Cooperativos. É natural que sim: estão em jogo os milhões de todos a saque de uns poucos. A necessidade pretérita dos ora famigerados contratos de associação tem sido em muitos casos, mercê do crescimento da oferta pública de rede escolar, debelada. Assim sendo, proponho três equações simples: Dinheiro Público – Escola Pública; Dinheiro Privado – Escola Privada; Caixa de Esmolas – Ensino Religioso. Pim, pam, pum. Posto de outra maneira: onde o contrato de associação se justifique (e há casos em que sim, note-se bem), cumpra-se; onde não, rasgue-se. E siga(mos) para bingo.
4 Se duas causas há que não apenas me não merecem simpatia como bem antes pelo contrário, elas são:
- a dos taxistas de Lisboa; 
- a dos suinicultores nacionais.
Há tempos, na TV, um taxista queixava-se de que “por causa da Uber, só fazemos serviços para a chungaria”, acrescentando que “a polícia anda sempre em cima de nós e se levamos um euro a mais é o diabo”. Isto nem carece de comentário.
Quanto à suinicultura nacional, relembro tão-só que a ganância impura e simples, anos/décadas a fio, tem levado os produtores íncolas a desprezar as mais básicas condições ecológico-ambientais suas envolventes. ETAR? Os municípios que as paguem. Sei, infelizmente sei, muito bem do que falo: habitante há anos de uma região enxameada de pecuárias afins, não desconheço os recorrentes (e não punidos) atentados contra, por exemplo, os aquíferos e os flúvios. Como se também os suinicultores estendessem à chungaria consumidora a pouca higiene do seu/deles porquinho.
5 Onde isto já vai: comecei citando Nietzsche e já ronco… Não é grave, porém: a realidade ficará exactamente no mesmo sítio, pesada, inamovível, indiferente a estas minhas filosofices impotentes. Salva-me todavia o facto vero & mesmo de ser manhã. Objectivamente manhã. Horariamente manhã. Tenho o dia todo (tê-lo-ei?) por minha conta. Na cama que dele fizer, a noite passarei.
E nela sonharei, naturalmente que sim, com o meu tetra na próxima época.

Assim seja.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Crónica Rosário Breve Com a senhora de violeta por Daniel Abrunheiro

Sonhei há tempos com a minha morte.
Não foi um sonho mórbido. Teve, pelo contrário, qualquer coisa de apaziguamento. Deu-me mais placidez do que acidez. Posso contar-Vos, claro.
Parece que a minha morte é uma senhora. Tem a minha idade: nasceu no meu nascimento. Apareceu-me sem fogos-fátuos-de-artifício. Os sonhos são filmes-mudos e a preto-cinza-e-branco, pelo que preciso de escrever aqui “violeta” para Vos dar a ver o vestido dela; e de oculta aparelhagem áudio surdia um fio que tanto podia ser de Bach como de Tony de Matos.
Era num relvado violeta também, posto que o escrevo. Arvoredo disperso exclamava a prosa do ar. Eu tinha uma caixa pequena de queijadas idênticas àquelas de que um homem se esquece em Sintra e uma botelha plena de um vinhito branco muito enxuto, muito decente, muito capaz de embaciar o palato e a espera por melhores dias.
Apesar da amplidão por assim dizer cinemascópica do cenário aberto, não havia passarada, facto que me angustiava um bocadito. Um trecho de rio fulgurava de mercúrio vivo ao canto exacto da tela. Medas de palha enxuta torravam ao sol frio. A senhora & eu, era descalços que estávamos.
Uma espécie de curiosidade serena quis que eu lhe desvelasse o rosto. Consegui, mas não foi fácil. Bastava não olhá-la directamente. Bastava fechar os olhos para descortinar na perfeição a sua efígie: era a minha cara mas em rapariga. Aquilo fez-me sorrir: a minha morte usava mamitas e tinha de urinar sentada.
Não falámos um com a outra por a absoluta desnecessidade de poluirmos com sílabas oxidadas a qualidade limpa-metal da quietude. Entendemo-nos como nem nos melhores casamentos.
Ela mordiscou um doce, serviu-se a si mesma de um cristal de branco, suspirava de quando em vez como se fosse ela a sonhar. Eu ainda quis recorrer à telepatia para lhe falar da importância devastadora que a poesia de Carlos de Oliveira, tão precocemente desaparecido, teve – e continua a ter – na minha vida, mas a senhora telegrafou-me isto sem abrir a boca: “Essa morte não era eu.”
Condenado como toda a gente a reatar os liames do re-nascimento por força do despertar, despertei. Dei por mim sozinho na cama como um feixe de ossos numa cova sem leões, Daniel sendo embora. A boca sabia-me a branco agora morno e a pedacitos de Sintra. Não me sabia a amargura, como tão de costume.
Até hoje, não voltei a vislumbrá-la. Tenho ido à senhora minha médica, a contagem dos glóbulos-brancos não indicia leucemias, o tabaco tem sido muito mas queima-se bem tipo ashes to ashes, o apetite varia com a exposição maior ou menor às malevolências da política e o meu Benfica, enfim, parece querer saudar de novo a memória do senhor meu Pai.

Estou agora numa expectativa quase trémula: morro de curiosidade. Morro de curiosidade por acabar, ou seja, morro de curiosidade por acabar sabendo quem me voltará primeiro – se ela, se os pássaros.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Livros sobre Humor e caricatura com textos de Osvaldo Macedo de Sousa - CCXXIV - IV Bienal de Humor Luís d'Oliveira Guimarães - Penela 2014


Livros sobre Humor e caricatura com textos de Osvaldo Macedo de Sousa - CCXXIII - As Palavras dos Outros de António Pascal


O Não-Jornal “ O Macaco” - Um caso de Imprensa Satírica por António Gomes de Almeida


Um jornal de Humor faz-se, em princípio, para ter graça. Se esse objectivo não é conseguido, isto é, se o jornal não tem graça nenhuma, fica a desconfiança de que, provavelmente, aqueles que o fazem não são lá grandes Humoristas – se calhar, são mesmo uns tristes… Conhecem-se vários exemplos, que não interessa mencionar aqui, para não entristecer os leitores… Mas talvez interesse, isso sim, descrever o caso de um jornal de Humor que tinha tudo o que parecia necessário para vir a ter graça, mas perdeu a oportunidade de o comprovar, porque… não passou do Número Zero! Foi, portanto, um não-jornal
Tudo aconteceu a meio do revolucionário ano de 1974, quando se viviam por cá as emoções e as angústias do PREC, o tal Processo Revolucionário Em Curso, que os jovens de hoje não imaginam o que foi – só o conheceram bem aqueles que são agora delicadamente designados pelo respeitoso nome de seniores (naquele tempo, chamavam-se os chatos dos velhos). Os acontecimentos políticos e sociais dessa época deram origem ao aparecimento de uma catadupa de jornais ditos de Humor, quase todos de vida efémera (ver, a propósito, noutro local deste mesmo site do CPI, o texto intitulado “Que é feito dos nossos jornais de Humor?”). Todos eles faleceram de morte natural – mas houve um que se finou, de forma algo original, ainda antes de ter nascido. Chamou-se (ou melhor, iria chamar-se) O Macaco. E esta é a sua breve história.
Tenho de pedir desculpa por narrar estes factos na primeira pessoa, garanto que não é por vaidade, é só porque não encontro melhor forma de explicar o que se passou, ao ser convidado para ser o Director desse jornal. Se calhar porque tivera, anteriormente, algumas experiências, umas com êxito, outras nem por isso, na direcção de publicações de Humor. Dirigira O Mundo Ri, em 1954, e O Picapau, em 1955. Entre 1960 e 1962, tinha dirigido o semanário de humor dos Parodiantes de Lisboa (e este episódio também pode ser lido no site, sob o título “O fenómeno Parada da Paródia”). Depois, entre 1972 e 1974, tinha escrito mais de uma centena de crónicas, sob o título Os Pontos, com o pseudónimo Óscar Pontinho, para a revista Rádio & Televisão, propriedade da Radioprel (empresa intimamente ligada à Sociedade Industrial de Imprensa, sendo esta a proprietária do Diário Popular, e funcionando todas estas entidades no mesmo edifício, na Rua Luz Soriano, no Bairro Alto).
Terá sido por causa desse passado ligado ao Humor (que algumas “pessoas sérias” poderiam talvez considerar pouco recomendável…) que fui convidado para dirigir o projecto de um novo jornal satírico, que viria a ser O Macaco. Bem… viria a ser é força de expressão, porque o projecto, afinal, não passaria disso mesmo: de projecto.
Diário Popular era então um vespertino com grande popularidade e prestígio, tendo como colaboradores alguns dos mais acreditados jornalistas da época.
O convite, muito honroso pela confiança que atribuía à pessoa do convidado, consistia em produzir um jornal de humor, com um aspecto físico pouco usual em publicações deste género: uns imensos 43x30 cm, o mesmo formato do Popular. Seria um semanário, impresso a offset, a cores, com saída à sexta-feira, distribuído pela mesma Sociedade Industrial de Imprensa, e vendido ao preço de 5 escudos. A ideia era a de testar o sistema offset, que seria depois aplicado, se tudo corresse bem, ao próprio Diário Popular.
Aceite o encargo, seguiu-se a instalação da Redacção, sempre na Rua Luz Soriano, e os convites aos futuros colaboradores, na sua maioria já conhecidos por terem pertencido a idênticas equipas anteriores. O entusiasmo era grande, porque os acontecimentos políticos ainda recentes (o 25 de Abril tinha poucos meses) davam-nos a esperança de podermos, finalmente, fazer aquele tipo de Humor que a Censura nos proibira até então. Verdade que havia, além dessa expectativa, também alguma aflição meio escondida: com a liberdade total que nos tinha sido anunciada, seríamos capazes de produzir material humorístico de jeito? Ou os condicionalismos de tantos anos levar-nos-iam, inconscientemente, a manter a prudência auto-censória a que nos tínhamos habituado? Enfim, logo se veria, agora, o essencial era formar a equipa!
OS COLABORADORES
Foi fácil e rápida a constituição do grupo de Humoristas que iriam trabalhar n’O Macaco. Na verdade, a única dificuldade surgiu, um tanto inesperadamente, por razões políticas! Toda a gente andava muito atarefada a inscrever-se nos Partidos políticos que iam surgindo todos os dias, e a resolver qual a bandeirinha ideológica a escolher. Por isso, alguns, que tinham feito parte de equipas anteriores, trabalhando lado a lado em publicações em que só era importante produzir coisas com graça, punham agora dúvidas, perguntando antecipadamente: “Mas… o jornal vai ser o quê? Socialista, comunista, maoista? Vai ser esquerdista, direitista?...” Deu algum trabalho explicar que o jornal deveria ser, principalmente, Humorista… Enfim, lá se constituiu a turma, que ficou formada por um conjunto de redactores de que faria parte Fernando Ávila (que era jornalista no DP, com especial propensão para escrever sobre ciclismo, acompanhando apaixonadamente a Volta a Portugal; era também autor de Teatro de Revista, em parceria com autores de sucesso, como Aníbal Nazaré, Amadeu do Vale, etc.); também o Carlos Miranda, que já colaborara noutros jornais de humor (e, curiosamente, era também muito ligado a reportagens sobre Ciclismo); este viria, mais tarde, a ser Director do jornal A BolaMário-Henrique Leiria, sim, esse mesmo, o surrealista, autor dos Contos do Gin-Tónico, um revolucionário na Política e na Arte, que deixou escrito um inédito “Dicionário Modesto para Famílias de Poucos Haveres” e, ultrapassando o seu estado físico debilitado, trazia uma alegria contagiante à Redacção; Álvaro Magalhães dos Santos, que já colaborara, com rubricas de humor, em vários diários, depois de ter sido descoberto na Parada da Paródia; e ainda mais alguns Humoristas talentosos. A estes se juntava um excelente lote de ilustradores, encabeçado pelo genial João Martins, e contando ainda com o talentoso Zé Manel, mais o José Antunes, o Vitor Milheirão e o Ricardo Reis, todos excelentes e todos “repescados” de aventuras humorísticas anteriores. O departamento gráfico estava entregue a Henrique Tenreiroe a publicidade a António Franco, dos quadros da SII.
PREPARANDO O LANÇAMENTO
Foi acordado que o Diário Popular, na sua qualidade de “patrono” do novo semanário, faria uma campanha de informação, precedendo o lançamento do primeiro número, previsto para Novembro de 1974. E assim aconteceu. Durante vários dias, as páginas do popularíssimo diário vinham salpicadas com anúncios da próxima saída d’O Macaco. Entretanto, iam sendo preparados os originais para os primeiros números – particularmente para um “Número Zero”, que serviria de mostruário dos que viriam a seguir, e que seria oferecido aos leitores, acompanhando uma edição normal do Diário Popular – passando O Macaco, a partir da semana seguinte, a ser vendido separadamente. Assim tinha sido previsto e combinado.
Na véspera, isto é, no dia 28 de Novembro, uma página inteira anunciava: “O Macaco – amanhã é dado!  (Poderá encontrá-lo aqui, incluído como separata de oito páginas do “Diário Popular”, a cores e a preto e branco, impresso em offset, com a sua graça escondida e o rabo de fora…)  P.S. – Apenas por ser um ZERO e amostra sem valor é de borla – os outros números vão ser A PAGAR.”
Na Redacção, vivia-se a expectativa do acolhimento que o público daria ao jornal, quando visse, no dia seguinte, a amostra que tínhamos preparado do seu conteúdo.
UM “MACACO” QUE NÃO CHEGOU A SAIR DO SEU GALHO...
Só que… no dia seguinte, uma minúscula notícia, meio escondida numa página discreta do Diário Popular, informava: “O Macaco – Por motivos de ordem técnica, alheios à nossa vontade, não nos é possível incluir hoje, em separata, e conforme tínhamos anunciado, o número zero do semanário humorístico “O Macaco”. Do facto, apresentamos desculpas aos nossos leitores.”
Ora, na verdade, os “motivos de ordem técnica” não tinham nada de “técnica”, tinham mais a ver com “política”… A efervescência era então muito grande, tanto nas Redacções como nas Oficinas dos jornais de Lisboa, em alguns dos quais, embalados pelas teorias de esquerda assimiladas um tanto à pressa, no calor da Revolução, os trabalhadores gráficos pretendiam sobrepor-se aos jornalistas, mesmo no que se referia ao conteúdo dos textos. E o mesmo quanto às opções editoriais – o que incluía iniciativas como a da criação de um novo título.
Foi assim que uma delegação do pessoal gráfico veio informar-nos de que resolvera, à última hora, na sequência de um plenário, impedir a saída d’O Macaco. E esclareceram mesmo, um pouco embaraçados: “Não é nada contra vocês, até respeitamos o vosso trabalho… É contra a Administração, que temos suspeitas de andar a preparar algumas manobras contra os trabalhadores!”…
Tais “manobras” nunca chegaram a ser concretizadas...
Mas foi assim que o Número Zero d’O Macaco, já impresso, com a apresentação do conteúdo e do estilo que pretendíamos dar ao jornal, e uma amostra dos talentos dos seus vários colaboradores, não chegou às mãos dos leitores, e acabou ingloriamente guilhotinado nas oficinas, e despejado no contentor do papel sem uso…

Com alguma dificuldade, salvaram-se dois exemplares, cuidadosamente conservados, como peças raras que são, e como testemunhos de um “hebdomacaco com macaquinhos no sótão”, como se lia no cabeçalho – um projecto de semanário de humor, um “não-jornal” que, devido a circunstâncias muito peculiares, acabou antes de começar e, por isso, não chegou a ter, afinal, graça nenhuma!...