Demorei-me
um pouco mais pelas ruas do que pela noite é meu costume.
O Estio não
sufocava já. Antes pelo contrário: temperada, filantrópica, a aragem nocturna
convidava à cirand’ambulação em serenidade acrítica. Acrítica e serenamente cirand’ambulei,
pois. Fi-lo cismando pequenos-nadas, desses que mais me vale sonhar acordado do
que quando presa indefesa do sono.
Descia eu
em perfeita solidão a Avenida (aquela assombrada ainda, e cada vez mais, pelo
Teatro extinto). A estudantada desertou-a por o motivo das férias sazonais, a
Deus graças. Subindo-a (à Avenida, digo), com estes que a terra há-de enxugar vi
o casal MM/AM: Marilyn Monroe & Arthur Miller.
Não me
pareceram infelizes como nas fotos daquela época em que respiravam a par e a
conjugal preceito. Suavizados pela bonomia da temperatura e do anonimato, pareceram-me
tão-só gente tão só: como eu, àquela-hora-naquele-lugar.
Ela cometia
o pecadilho indultado à nascença de não simular beijos morango-platinados para
a câmara.
Ele não
espelhava aquela sisudez de grande dramaturgo que de facto foi.
Duas soledades
notáveis (a)notadas por uma terceira irrelevante solidão – isto apenas.
Passaram
eles, eu passei – como é de força & é de lei que tudo passe e passem(os)
todos. Não olhei para trás: já sou de sal q.b. e quanto sobre.
Lançado sem
pressa nessa espécie de epifania-technicolor-a-preto-e-branco, não demorei
muito a topar, uns meros metros-décadas a baixo, com outra parelha improvável:
BC/VS – Beatriz Costa & Vasco Santana. Muito novos ambos, claro, ambos muito
Canção-de-Lisboa, naturalmente.
Ela
choraming(u)ava; ele fazia por consolá-la. Julgo ter percebido porquê: ela
sabia que o Vasquinho dela iria morrer cedo, como de facto morreu; todavia, ele,
maganão vero e fingido malandrim como sempre, ia-lhe cici’sussurr’ando que
preferia tal destino àquele que sabia já vir a ser, como a ser deveras veio, o
dela, o qual destino era, como foi, o de invern’amargar o outonecimento da vida
no desamparo sem cura nem companhia de um quarto-casa de hotel antigo.
Não tive
tempo de ter pena deles: retive, sim, não quaisquer fúteis lágrimas de basbaque
cinémano, mas um sorriso grato – por ele esbracejar mui gordamente, de charuto
à Groucho Marx na beiça, no intuito de fazê-la gargalhar em cristal puro como
dela era timbre.
Fantasmas
os quatro, caixeiros-viajantes prontos a morrer de novo, lá devem ter arranjado
maneira de penetrar no fantasmático Teatro encerrado da Avenida. Não sei. Sei
que eram horas do último autocarro. Apanhei-o.
Apanhei-o,
mas só depois de baforar à pressa a ponta final do charuto à Groucho Marx que o
Vasquinho me atirou do lado de lá da pantalha e em cujo fumo desapareço da
minha plateia por mais uma semana em cartaz.
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