Concluí recentemente a leitura
integral duma obra da autoria de um ribatejano. O livro intitula-se Marcello Caetano – Confidências no Exílio
(Editorial Verbo, 8.ª ed., Março de 1985). O Autor é Joaquim Veríssimo Serrão
(JVS), historiador e professor com sobejas provas dadas no âmbito da
historiografia portuguesa de qualidade.
Amigo, confidente e confesso
admirador de Marcello (MC), JVS procede neste livro àquilo que sente como
necessária reparação do, para ele, bom-nome do visado. Não poupa no mais
rasgado encómio da figura, roçando vastas e bastas vezes a louvaminhice do
delfim de Salazar e deste último sucessor na Presidência do Conselho, após a
célebre queda da cadeira do tirano de Santa Comba Dão e do resto do País todo.
Muitos temos presente o filme daquela
malta toda vitoriando no Largo do Carmo a acção militar tão honrosa e tão
corajosamente capitaneada por Salgueiro Maia, capitão que, aliás respeitosa mas
firmemente, deu ordem de prisão ao deposto Chefe do Governo, tratando-o com uma
dignidade que o próprio detido mais tarde reconheceu com sinceridade e sem
ironia ou amargura, ao contrário de ditos e escritos seus a propósitos de
figuras que, sendo-lhe próximas nos tempos de poleiro, o renegaram depois como
Pedro terá triplamente feito ao mesmo Cristo.
Sabemos todos o que depois aconteceu:
MC na chaimite, embarque primeiro para a Madeira, voo a seguir para o exílio no
Brasil, país em que, sem jamais, por manifesta vontade própria, haver
regressado a Portugal (nem para ser sepultado), acabou por morrer no Rio de
Janeiro a 26 de Outubro de 1980.
Da referida obra que assunta esta
crónica, digo coisas simples: é muito legível, muito interessante e muito
propiciadora de muitos toma-lá-dá-cás contr’opinativos. Já tal é, a meu ver, de
mérito q.b.
Todavia, o que me fez trazer tal
título à colação da crónica foi uma série de referências a personagens da
política (mortas algumas já, ainda vivas outras). Com a devida vénia ao Autor
do livro e ao Emissor das passagens (ex)citantes em discurso directo (com
excepção ao discurso indirecto de JVS a propósito de Veiga Simão), passo assim,
em ipsis verbis apropriadamente itálico, à transcrição de tão sumarentos
ditames marcellianos.
Pinheiro
de Azevedo - “um tonto” (pág.ª 256,
op. cit.);
Alçada
Baptista - “com
o seu ar de filósofo iluminado, (…) gosta de parecer original e frondeur e agora aspira a ser embaixador em Brasília”
(pág.ª259);
M.ª
de Lurdes Pintasilgo - “a
primeira freira (embora sem hábito) a dirigir a política de um país. Foi grande
amiga minha. É ambiciosa, inteligente e voluntariosa (introduzirá virilidade na
política portuguesa. Esteve para ser deputada pela U.N. em 1969 (só o não foi
porque se tinha esquecido de recensear-se) e não foi ministra do meu Governo
porque a não convidei. Agora aparece ligada à esquerda, como a sua congregação
do Graal já há tempos anda. Que fará uma mulher-homem, ainda por cima com nome
de pássaro?” (págs. 259/260);
Spínola
- “o parvo” (pág.ª 257);
Costa
Gomes - “Por mim não que outra
coisa se lhe possa chamar: um verdadeiro nojo para a consciência de um homem.”
(pág.ª 266);
Vasco
da Gama Fernandes - “Veja
como o enfatuado Gama Fernandes, que nem os próprios correligionários tomam a
sério, conseguiu em 1974 a administração de um Banco estatal e apenas em quatro
ou cinco anos logrou uma reforma choruda. ” (pág.ª 266);
PPM
- “os monárquicos não passam
de uma anedota” (pág.ª 290);
PCP
- “Apesar do repúdio da
grande maioria do povo português, apesar do combate aberto em que se empenhou a
Igreja, apesar da dispersão resultante de grupúsculos à sua esquerda, o Partido
avançou, coeso, disciplinado, doutrinado, e consegui um milhão e cem mil
eleitores com uma representação de quase cinquenta deputados. É inquietante.”
(pág.ª 290);
Soares
Carneiro - “O homem é excelente, mas
a manobra do Sá Carneiro sempre me pareceu mal conduzida e temo que a A.D. se
espalhe nas eleições presidenciais.”” (pág.ª 307);
AD - “apesar de tudo, torço pela A.D. …”
(pág.ª 307);
Sá
Carneiro - “Vejo que o Sá Carneiro é
nessas coisas mais autocrata do que o
próprio Doutor Salazar.” (pág.ª 307);
Francisco
Balsemão - “Aqui tive notícias do
Francisquinho Balsemão, mas só pelos jornais. Bem pobre é a matéria-prima em
Portugal, para se recorrer a tão medíocre mensageiro.” (pág.ª 315);
Marx
(e marxistas) - “É
curioso que o Marx tratou com o maior respeito e inteligência a Idade Média, e
cada vez que leio O Capital, mais
consideração tenho por ele e menos pelos marxistas.” ” (pág.ª 317);
Veiga
Simão (palavras de JVS indirectamente citando MC) - “Entre as razões apontadas [para não
regressar a Portugal – nota do cronista] dizia
não querer encontrar antigos colaboradores, como o Prof. Veiga Simão, por quem
sentia o maior desprezo.” (pág.ª 343);
João
Soares- “O João Soares, pai do Mário, foi realmente padre (e capelão militar) e
nessa condição teve o primeiro filho, ao qual pôs um nome de que só um padre se
lembraria; Tertuliano. Este foi meu amigo, era um excelente clínico e nunca embarcou nas ideias do mais novo. ”
(pág.ª 347);
Mário
Soares - ”sinistro” (pág.ª 361); (…) “foi
um aluno mediano, mas cumpridor. Já então usava do discurso fácil, só que o
estudo do Direito exige estudo atento e adequada disciplina mental. Continua
hoje a prometer o que sabe não poder cumprir, deliciado com os riscos da
manobra política. (…) O Soares pode com o
ardor tribunício convencer um parlamento, mas nunca será um homem de Estado. Não
tem dimensão nem estrutura para esse papel que julga estar ao seu alcance. (…)
Bem vê, não basta apertar a mão ao
Mitterrand ou almoçar com o Brandt para se possuir estofo para governar
Portugal. (…) nunca precisou de
trabalhar, porque o pai se incumbia de o fazer no colégio que tinha em Lisboa.
Foi sempre o que pode chamar-se um menino rico. (págs. 332/333);
Álvaro
Cunhal - ”Goste-se ou não dele, é um homem de inteligência superior e que tem
uma visão messiânica da vida.O Cunhal está convencido de que pode recriar o
mundo, mas esquece-se de que milhares de gerações passaram e outras hão-de
passar e o mundo há-de continuar com os defeitos que são inerentes à natureza
humana.” (pág.ª 332);
Finalmente, ao “menino rico”
Soares e ao Cunhal “filho de um
advogado com dinheiro”, MC contrapõe-se a si mesmo na companhia de Salazar:
“Quem devia então sentir complexos de
classe? Eles ou o Doutor Salazar e eu, que viemos da humildade da terra e
somos, na realidade, filhos do povo?”
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