Diz
que há por aí famílias com fome.
Excelente
janela-de-oportunidade para exercício
do catolicismo esmoler. Nada beatifica mais do que uma sopinha-dos-pobres. Unto
de gozo purinho, sermos todos Madres, todos Teresas, de Calcutá todos. Andarmos
todos por aí a distribuir sacos plásticos para a canonização em vida da Jonet.
Isso – e no intervalo das esmolinhas coleccionarmos presépios piíssimos como a
Maria do Coiso.
Temos
quase tantos anos de “democracia” quantos suportámos de fascismo legionário:
oito anos são um sopro de fósforo. E no entanto. Mas todavia porém.
Que
a Direita babe homilias coitadinhistas de templária grã-cruzada, nada me
surpreende: é subgente apenas, apenas antónima da humanidade chã dos dias reais.
Mas certa Esguelha que por aí anda,
histriónica, calendária, instalada, acomodada, papagueadora de grândolas por calendário e
casseteficadora de boas-intenções que povoam o inferno – essa gente nem me diz
coisa boa, nem este Jornal assina sequer, não vá o saber o Edil que ainda somos
uns mil.
Ponho-me
na pele do professor Manuel Sousa, protagonista involuntário, ou talvez não, do
Editorial que abriu a edição passada
deste mesmo semanário. Por via da caderneta, sinalizou o docente à mãe que o filho
era desinteressado, alheado, cabeceador de estranho sono. Vai-se a ver e a
saber, era a fome. Era da fome, afinal.
Uma
pessoa lê isto – e fica com um calhau onde era suposta a garganta. No país que
hesita entre a “saída limpa” e o “programa cautelar”. No país do
indizível Portas, esse indefectível devoto dos virginais pastorinhos e das
epifanias a néon em azinheiras anti-republicanas. No país da Albuquerque, essa Barbie cuja brincadeira favorita é
destruir casinhas. No país do pavor aos que “comem
criancinhas ao pequeno-almoço” e do louvor aos que “comem o pequeno-almoço às criancinhas”. No país do
valha-te-deus-que-o-diabo-não-se-distrai. No país onde parece terem-se tornado
obrigatórias a estupidificação massiva dos estudantes e o genocídio imbecil das
praxes.
Aqui
perto de onde redijo estas linhas amargas, morreu atropelada uma velhota que,
de burro e carroça, andava às couves. O animal também morreu na colisão. Mais
perto da minha mesa, um jovem titila o seu tablet
modernaço. Coexistências do caraças: o I de XXI aparecer a meio dos XX.
Entretanto, bufarinheiros de Mercedes pato-braveiam jogatanas municipais,
manilhas, tout-venants,
esquemas-negociatas-almoçaradas de favor, empenho, cunha & falcatrua. O
Benfica joga em Turim a sua Europa de alienação de massas. A Jonet quer saber o
número de telemóvel do professor Manuel Sousa, em cuja caderneta inscrevo esta
crónica por procuração da amargura.
E
no espeto da tumba santacombadense, o Salazar, esse santo estéril, esse
pesadelo de que se não acorda, roda voltas de gozo o mais apostólico, o mais
sacro, o mais pró-famélico, o mais eu-bem-vos-avisei-não-foi?
Foi.
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