sábado, 15 de dezembro de 2012

Enjeite-Se a Rosa mas a Laranja também por Daniel Abrunheiro



De não igual mas idêntica maneira, vai cada qual levando a vida que lhe coube e cabe. Não é porém feliz verdade essa da evidência de muitas vidas afixarem ao peito de vidro o mesmo que muitos estabelecimentos nas respectivas montras: ARRENDA-SE, TRESPASSA-SE, VENDE-SE. É o chamado fenómeno da LIQUIDAÇÃO TOTAL DA EXISTÊNCIA. Sou levado a lapijar esta demonstração algo macambúzia pela visão do acordeonista.

É um cego esmoler de esquina – e da mesma estirpe dos que Salazar, por cosmética, mandou encerrar em 1957 por ocasião da vinda a Portugal do real casal britânico. Este músico pedinte de que vos falo, não sendo igual a todos os outros, a todos os outros é idêntico: por ser, como eles outros, vivo símbolo da vileza de uma sociedade que não cuida de se ver retratada a si mesma num rosto desprovido da bênção da luz esmifrando migalhas de cobre ao pórtico dourado das agências bancárias a troco e a compasso da lágrima ferrugenta da Rosa Enjeitada.

Do presépio orneje o burro santo e muja placidamente a plácida vaca, que da caridade as palhinhas lhes darão, se não que comer, o que tasquinhar. A compasso de acordeão ceguinho, é difícil todavia que envelhecer em Portugal deixe de ser um crime, que a simples escola pública não mais seja contabilizada como um deve mas como um haver, que a saúde seja como deveria ser saudação exercida localmente como direito terreno e não como celeste privilégio de quanto é interior população, que a juventude não seja levada a alugar e a empobrecer coração, cabeça e estômago nos modernos bidonvilles da velha estranja, que o sistema judiciário se preste à justiça de ser justo por breve, idóneo, imparcial e equitativo – ou que, já agora, os cronistas de última página possam passar a tecer docas à pesca sustentada, ao direito laboral à medida do direito humano, à potenciação fruteira de um solo úbere e à redução a desafio de futsal da relação RTP-PSP.

Enquanto o cego toca, repugna-me o meu mesmo pendor por assim dizer ecuménico, que à classe possidente há-de parecer descarada comunistice e à classe despojada desperdício crasso de papel & lápis. Seja. Seja. Não posso deixar de me sentir atordoado de impotência ante o acordeonista, a quem aliás não obolei com um cêntimo que me não sobra nem vem. O meu Portugal-dos-Pequenitos não é o de crianças violadas em seminários e/ou barracas suburbanas. A minha geriatria não é a dos idosos ardendo devagar à combustão das lareiras de pardieiros. A minha utopia é a de pão-com-manteiga, não a de amanhãs que diziam cantores mas que afinal só tocam, mal, acordeão, e que só não vêem porque não querem, ou não sabem, ver.

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