“FERNANDO CORREIA
DIAS, UM POETA DO TRAÇO”
de Osvaldo Macedo de
Sousa
Biografia e
redescoberta de uma extraordinária obra de um pioneiro do modernismo Português
e Brasileiro, numa edição da editora brasileira Batel, cujo lançamento é
acompanhado por uma exposição (de 26 de Junho a 10 de Julho de 2013)
na Livraria Ler
Devagar na Lx. Factory (Alcântara – Lisboa)
O fascinante da História é a sua
mutabilidade, não pela visão dos vitoriosos do momento, mas pela constante
descoberta de velhos documentos, obras e testemunhos que nos obrigam a reescrevê-la,
abordando novas leituras e perspectivas. É um jogo de memórias, de injustiças,
de esquecimentos, de redescobertas e requalificações.
Fernando Correia Dias é um
extraordinário artista que a memória se esfumou na tragédia da sua morte, no pó
das hemerotecas e alfarrabistas. 120 anos após o seu nascimento em Penajoia -
Lamego (10/11/1892) e 99 anos após a apoteótica exposição no Salão da Ilustração
Portuguesa em Lisboa, é momento de se redescobrir a obra genial do
luso-brasileiro Fernando Correia Dias, pioneiro do modernismo em Portugal (1909
/ 1914) e no Brasil /1914 / 1935).
Não há duvida que, mesmo sem terem consciência
disso, o grupo formado no Liceu / Universidade de Coimbra (Correia
Dias, Christiano Shepard Cruz, Álvaro Cerveira Pinto, Luiz Filipe Rodrigues e
depois António Balha e Melo) a partir de 1909 foi o principal motor de arranque
do modernismo, desenvolvido depois no resto do país com o Grupo dos Humoristas,
Fantasistas, Futuristas... Correia Dias será o único que, nesta fase portuguesa,
nunca deixará Coimbra mas, daí lançará toda a sua influência através do
trabalho, em cumplicidade teórico-estética com o resto do grupo, publicado em
"O Gorro", "A Farça", "A Sátira", "A
Águia", "Gente Nova", “Alma Académica”… darão um novo curso às
artes gráficas, à paginação e à ilustração. A sua pintura e cerâmica, por
terem sido uma obra apenas visionada nas exposições de Coimbra (1912 e 14) e em
Lisboa (1914) acabaram por não deixar grande influência, corroborando apenas a
linha estético-filosófica que o seu cúmplice, Christiano Cruz teorizava nas
entrevistas da imprensa lisboeta. Passaram um pouco despercebidas as suas
irreverências cubistas no auto-retrato, as explorações do sintetismo abstracto-grotesco
nas cerâmicas de “Caveirocaricatura de Leal da Câmara”, “Christiano Cruz”…
Essa marca seria mais profunda no
Rio de Janeiro, onde, de imediato, foi absorvido pela irreverência carioca,
adaptando o seu modernismo ao gosto local, reivindicando uma linha nacionalista
no uso e abuso dos elementos nativos da fauna e flora, com especial reescrita
da arte deco através dos elementos neo-marajoara que se desenvolveram na
cerâmica, tapeçaria e em intervenções arquitectónicas… Seriam seus cúmplices J.
Carlos, Di Cavalcanti, Menotti del Pichia, Tarsila do Amaral…
A sua criatividade prolífera fá-lo-á
abordar todos os géneros criativos, das artes decorativas (como tapeçaria,
cerâmica, mobiliário) à pintura, do desenho de ilustração ao desenho gráfico
(títulos, letras, capitulares, paginação, diafragmação, capas, “ex-libris”…).
Foi um inovador na concepção do livro como obra de arte, com as suas
extraordinárias capas, com a introdução da cor, da ilustração, das capitulares…
Apesar de toda esta dispersão criativa, será nas artes gráficas que a sua obra
predominará, já que era também a forma mais fácil de sobrevivência económica.
Tanto em Portugal, como no Brasil, a
sua corte tertuliana era preferencialmente literária, tendo mesmo desposado a
que seria um dos expoentes da poesia do séc. XX brasileiro, Cecília Meirelles,
o que influenciou profundamente a sua obra, o seu trabalho como cenógrafo da
palavra, como poeta do traço, em que cada obra é um diálogo, uma profunda
comunhão entre a ilustração e o conteúdo, o estilo, a estética da obra
literária que ele serve como promotor plástico. A sua arte nunca se impõe
estilisticamente, antes está ao serviço do escritor, do texto, do poema para o
melhor promover e realçar.
Devido ao seu trágico
desaparecimento, em Novembro de 1935 no Rio de Janeiro, por suicídio
neurasténico, a sua obra “perder-se-ia” nos baús do constrangimento familiar,
no esquecimento das memórias efémeras das hemerotecas, alfarrabistas e
historiadores desatentos, durante quase oito décadas. Eis finalmente o momento
de se abrirem as arcas, de desempoeirar a memória, recuperar o esplendor desta
obra genial que a família colocou à disposição para a edição deste luxuoso
álbum publicado pela Editora Batel do Rio de Janeiro. O estudo biográfico e
analítico da obra é do historiador português Osvaldo Macedo de Sousa.
Sem comentários:
Enviar um comentário